lá no princípio da internet comercial, uma operadora portuguesa botou um gigantesco outdoor sobre seus novos serviços de conectividade na entrada do aeroporto de lisboa. o anúncio dizia… “economize tempo e dinheiro: não vá”. uma referência direta ao que se gasta em viagens aéreas de negócios, parte das quais para ir a reuniões que, bem mais que vez por outra, servem para não mais que gastar –mesmo– tempo e dinheiro.

há quinze anos, a promessa da operadora era não mais que promessa. não dava para substituir uma reunião presencial, por mais improdutiva que fosse. se –hoje– mal dá pra conversar pela rede (em áudio, básico), com algumas poucas pessoas, por uma hora, sem interrupções, imagine lá em 1997.

mas as instituições se distribuem cada vez mais e têm interesses cada vez mais globais, onde nem sempre dá para estar presencialmente. o que leva à demanda por meios cada vez mais realistas de montar encontros onde uma ou mais pessoas estão noutra cidade ou continente. e não é preciso estar muito longe para pensar em “não ir”: na maioria das grandes cidades, a demanda por reuniões virtuais é cada vez maior, face ao tempo que se gasta, quase a qualquer hora, pra ir de um lugar a outro.

o que era norma apenas em são paulo, aqui no brasil, agora é o caso em quase toda grande cidade, incluindo recife. e cada vez mais gente trabalha em casa e “não vai” fisicamente ao que se costumava chamar de “local de trabalho”. o blog já discutiu o assunto, pensando em redesenhar cidades, conectando-as, para que bem menos gente tenha que ir “longe” de casa só para ter acesso a meios de trabalho que, hoje, são essencialmente informacionais ou dependem, muito, de infraestrutura de informação.

e quem já esteve em conversa só por vídeo sabe que é diferente, por melhor que seja, do que estar presente. o ambiente criado pela presença em tela (na reunião), apesar dos muitos avanços dos últimos anos, ainda é muito menos interessante do que a participação direta no evento. é isso que o bell labs está querendo resolver com robôs de telepresença, como os da visão artística abaixo.

a ideia, ainda em estágio de laboratório, é simples: robôs controlados pela rede, por quem está longe, com câmeras, microfones e falantes, capazes de alguns movimentos básicos, como girar e olhar pra “alguém”, talvez um outro robô. segundo os proponentes, o uso deste tipo de tecnologia poderia deixar encontros com participantes remotos mais pessoais e realistas para todos.

exemplo? numa reunião presencial, quando mais de um começa a falar ao mesmo tempo, continua falando quem captura a atenção da maior parte dos outros participantes. os tais “robôs de reunião” conseguiriam transmitir esta e muitas outras sensações para quem está longe, melhorando a qualidade do encontro.

evoluções como esta são um prenúncio do fim dos encontros presenciais? bem… sim e não. é possível defender que certos elementos (conexões, impacto…) das reuniões presenciais nunca vão rolar nos encontros virtuais. pelo menos enquanto estivermos pensando em realizá-los sobre plataformas tão básicas quanto os robôs propostos pelo bell labs ou em mundos virtuais como second life. sem falar no intervalo, que é quando a maior parte das coisas realmente interessantes começa ou acontece.

o problema é muito maior do que reuniões, reais e/ou virtuais. a taxonomia de trabalho colaborativo no espaço-tempo (de ellis et, al., discutida neste link, pág. 47) mostrada abaixo, nos diz que reuniões virtuais são interação síncrona distribuída. acontecem ao mesmo tempo, mas com participantes de diferentes lugares. a maior parte do trabalho distribuído (pense uma disciplina de graduação, quatro meses de aulas, estudos e trabalhos) tem a ver com interações assíncronas e distribuídas, porque nem todo mundo pode estar disponível ao mesmo tempo para alguma coisa, mesmo que não seja no mesmo lugar.

pode-se defender a tese de que a maior parte do trabalho do futuro vai ser realizado em diferentes lugares e tempos, ou seja, no quadrante inferior mais à direita da imagem: interações assíncronas e distribuídas. e (quase) todos nós já participamos de ambientes onde isso ocorre, não necessariamente para trabalhar. se você está pensando que redes sociais são tais ambientes, acertou na mosca.

ainda mais, como quase tudo são redes sociais, inclusive empresas, e como memória e conhecimento estão nos fluxos destas redes e não depositados em um lugar qualquer, entender como tais fluxos acontecem, dentro e fora dos negócios, é muito mais importante no médio prazo do que fabricar robôs que participam de reuniões. porque o que precisamos mesmo é de avatares que nos representem nas interações, ao ponto de (no futuro) eles continuarem agindo como se fossem “só” uma representação de nós próprios, apesar de, depois de um tempo, terem adquirido capacidade independente, provocada e parcialmente construída por nós, de resolver problemas. pelo menos os mais simples.

pra descobrir quão distante a gente está deste ponto, dê uma folheada na tese de doutorado de tony clear, 849 páginas dedicadas à mediação tecnológica para interações assíncronas e distribuídas. e vá ver este conjunto de textos, que parte do princípio de que empresas são abstrações. avatares, por sinal, também. mais dia, menos dia, ainda vamos ver reuniões deles. só deles, por sinal.

* Silvio Meira é fundador do www.portodigital.org e cientista-chefe do www.cesar.org.br, e escreve mensalmente para a Folha de S.Paulo.

** Publicado originalmente no site EcoD.