Buenos Aires, Argentina, 23/11/2011 – Surgidas no calor da crise econômico-financeira, do final de 2001, as cooperativas na Argentina passaram a ser um atalho para a participação de mulheres em áreas tradicionalmente consideradas masculinas. “No começo não foi fácil para os homens aceitarem a mulher como companheira em áreas como a construção, mas, agora que as cooperativas vão nos integrando, eles estão se acostumando a nos ver”, contou Roxana Jiménez à IPS. Jiménez integra uma cooperativa de construção formada por dez homens e seis mulheres, e também preside a Federação de Cooperativas de Trabalho na província de Santiago del Estero, com mais de 800 associados.
“Agora é visto como normal, reconhecem que as mulheres aprendem rápido o ofício, não apenas o da construção, mas também de eletricidade, encanamento, colocação de azulejo e tudo o que é necessário”, afirmou Jiménez. Sua cooperativa é contratada para obras de infraestrutura nos municípios da província, além de projetos particulares. Esta modalidade de trabalho surgiu por impulso do próprio Estado em 2003, como resposta primária aos elevados níveis de pobreza, desemprego e outros graves problemas sociais que deixaram três anos de recessão e a crise de dezembro de 2001, que terminou com o governo centrista de Fernando de la Rúa na metade de seu mandato de quatro anos.
Inicialmente, o Estado propôs a formação de 50 cooperativas de 16 membros cada uma, dando aos desempregados capacitação e emprego. Como muitos dos homens que aderiam não conheciam os ofícios, foram aprendendo junto com as mulheres. O presidente da Federação de Cooperativas de Trabalho Unidas de Florencio Varela, Cristian Miño, começou como desempregado em 2003 e hoje trabalha e lidera um movimento de 600 associados, uma “empresa social”, afirma.
Miño contou à IPS que na Confederação Nacional de Cooperativas de Trabalho (CNCT), à qual pertencem três mil cooperativas e da qual também é secretário, entre 35% e 40% dos associados são mulheres e cada vez têm um papel mais destacado no movimento. De fato, as entrevistas com a IPS foram feitas durante o I Encontro Nacional de Mulheres Cooperativistas da CNCT, realizado em Buenos Aires nos dias 18 e 19 deste mês para troca de experiências. Segundo Miño, há cooperativas formadas exclusivamente por mulheres em pelo menos quatro províncias do país, mas a maioria é mista, ainda que as áreas sejam consideradas historicamente masculinas, como no caso da construção.
“No começo, os homens não as aceitavam, até que começaram a ver a força de vontade que têm e agora começam a considerá-las um eixo fundamental dentro da cooperativa”, assegurou Miño. “Com a atitude machista que muitos temos, nos parecia que elas não teriam força para fazer o que fazemos, mas com o tempo, quando vimos que carregavam sacos de 50 quilos de cimento, nos demos conta de que podem”, acrescentou. O cooperativismo promovido pelo Estado teve um impulso maior em 2009, quando o governo de Cristina Fernández lançou, por meio do Ministério de Desenvolvimento Social, o plano Argentina Trabalha, que incentivou a formação de cooperativas de 60 membros para cem mil pessoas.
As cooperativas também se dedicam às áreas têxtil, gastronômica, hortícola, produção de materiais para construção, alimentos, imprensa. A renda mínima que obtêm equivale a cerca de US$ 300 para cada associado. Também têm direito de receber auxílio de US$ 64 para cada filho menor de 18 que estuda, assistência médica e contribuição para a seguridade social para uma aposentadoria ao parar de trabalhar. Segundo estudo de 2010 do Ministério, metade dos associados é de mulheres e todos tinham dificuldades de arrumar emprego. Quase 80º% dos integrantes das cooperativas não concluíram o ensino básico obrigatório (primário e secundário) e 77% não tinham uma profissão.
Este movimento também deu oportunidades para minorias sexuais tradicionalmente marginalizadas do emprego, como os travestis e transsexuais, que estavam presentes no Encontro Nacional. Lohana Berkins, líder da Escola e Cooperativa Têxtil Nadia Echazú, é travesti e contou à IPS que elas começaram há cinco anos com uma tentativa de organização e agora são 60, e também há outras quatro cooperativas em áreas diferentes. “Temos problemas de acesso a emprego, não pelas mesmas razões daquele que fica sem trabalho e não pode voltar ao mercado, mas por uma questão de discriminação e marginalização”, ressaltou.
Formaram a cooperativa Nadia Echazú em 2006 e se aproximaram do Estado para conseguir capacitação e ferramentas de trabalho. “Não avaliamos resultados em termos econômicos, porque para nós isso não é o importante”, declarou Berkins. “O que avaliamos é o impacto que isto tem em nossa comunidade, porque os travestis não aceitam que a prostituição seja um trabalho, queremos gerar uma dialética com o Estado e a sociedade e mostrar que podemos ter um emprego”, acrescentou Berkins. Envolverde/IPS