Bom para o médico, ruim para o bebê

Comodidade para mãe e médico explicam o aumento de cesarianas. Mas medida pode ser ruim para o bebê. Foto: Istockphoto

Pela primeira vez, os nascimentos por cesariana superam o número de partos normais. Os dados, obtidos por um levantamento do jornal Folha de S.Paulo, mostram que 52% dos nascimentos ocorrem por cesariana. Para Nádia Narchi, uma questão de mercado está prevalecendo sobre a saúde e bem-estar da mulher.

Isso porque as cesarianas são muito mais cômodas aos disputados horários do doutor: enquanto o trabalho de parto normal dura cerca de oito horas, a cesárea pode ser feita em 45 minutos. Ou seja, o médico faz seu tempo render e tem um retorno financeiro muito maior.

Narchi coordena o curso de Obstetrícia na Universidade de São Paulo (USP) e aponta que a formação do médico pode explicar essa conduta. “É a elite da elite que faz medicina hoje, que não tem vivênca com a medicina comunitária”, diz ela. Ou seja, o estudante já entra na faculdade pensando no retorno financeiro. Muitos, diz ela, são filhos de médicos que sairão da escola com consultório pronto. Esse profissional não terá a disposição para fazer plantão, trabalhar à noite, no final de semana.

Daphne Bergo Paiva, vice-presidente da ONG Bem Nascer, em Belo Horizonte (MG), promove encontros com gestantes para esclarecer aspectos do nascimento em parques da cidade. Ela afirma que existe um mito entre as mulheres de que o parto normal é mais doloroso que a anestesia. Mas, lembra ela, a cesariana pode trazer consequências graves para as mães e seus filhos. Muitas mulheres reclamam de dores abdominais muito tempo depois de realizada a cesariana.

“Muito partos são marcados de acordo com a conveniência do médico e da mãe, mas não do bebê”, diz ela. Com isso, algumas crianças nascem antes do tempo, prematuras. “Bebês nascem com desconforto respiratório por terem sido retirados da barriga antes do tempo”, diz ela. O  parto por cesárea pode ser muito mais agressivo à mãe. “Há uma falsa impressão de que não existe dor na cesariana porque a mulher está muito anestesiada”, diz. Além disso, são recomendados uma série de medicamentos para a mulher no período pós-natal.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que apenas 15% dos partos sejam feitos por cesariana. No Brasil, este número é de 52%. O levantamento mostrou também que o valor é superior na rede privada. Enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS)  é de 37%, no setor privado chega a 80% dos nascimentos. Segundo Paiva, a estrutura do SUS não permite que mulheres marquem com antecedência seus partos. Ao chegar ao hospital, a gestante é atendida por um plantonista. A cesariana só ocorrerá se houver complicações no procedimento normal. “No SUS, há muitas pacientes pedindo cesariana, mas o procedimento está sendo usado com mais critério.”

“O maior medo é o de que a dor seja insuportável”, comenta Paiva. Sua ONG tenta orientar mulheres sobre métodos que tornem a experiência prazerosa. Algumas massagens e exercícios contribuem para que o parto transcorra mais facilmente. Segundo ela, falta um atendimento mais respeitoso às mulheres. Permitir que a mãe tenha um acompanhante e que possa andar na sala de parto ajuda a diminuir a dor e acalmar a paciente.

Da mesma forma, o curso de Obstetrícia visa a formar parteiras graduadas para auxiliar justamente no trabalho normal. O problema, afirma Narchi, é que falta iniciativa do governo e rede privada para gerar empregos para essas mulheres. “Culturalmente, nesse país os médicos mandam em tudo”, diz. É necessário que se abra espaço dentro deste universo médico altamente autoritário para um olhar mais repeitoso ao corpo da mulher. “Assistimos a uma medicalização do corpo da mulher”, comenta.

Muitos bebês são tirados da barriga das mães antes do tempo, para que não haja “perigo” de que a mulher entre em trabalho de parto e tenha o filho no procedimento natural. Além da mulher passar por uma cirurgia sem necessidade, os bebês são retirados do primeiro contato com a mãe e vão direto para a incubadora. A especialista afirma que uma em cada quatro mulheres sofre violência institucional no Brasil durante o parto. Sobretudo, violência verbal e o não oferecimento de medicamentos que aliviam a dor.

Segundo ela, não há no país uma política de inserção e valorização de profissionais não médicos. Para que o país perca o título de “campeão da cesárea”, diz ela, é necessário que se abra espaço para as casas de parto e parteiras com nível superior que chamarão o médico apenas em último dos casos, se a cesárea realmente for necessária.

Uma política destecnologizada, que vai de encontro a toda a ideologia implantada pelos convênios e hospitais da medicina informatizada e de alto redimento financeiro.

* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.