Em um consultório no terceiro andar do prédio do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, o cardiologista Daniel Magnoni recebe a reportagem de CartaCapital para apresentar um panorama preocupante da obesidade no Brasil. Uma pesquisa conduzida pelo médico, com base em dados do alistamento militar obrigatório, mostra que jovens na faixa etária de 18 anos estão ficando mais pesados a cada ano.
De acordo com o estudo, que observou a ficha de indivíduos nascidos entre 1957 e 1991, a porcentagem de pessoas com sobrepeso no alistamento do Exército passou de 6,6% para 15,5% no período analisado. “É alarmante termos encontrado tamanha proporção de pessoas com Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou maior que 25 nesta faixa etária”, explica Magnoni, diretor de Nutrição do HCor e do Instituto Dante Pazzanese.
A preocupação com a obesidade e a alimentação transformou-se na principal bandeira da carreira do cardiologista, que ocupou a presidência da Sociedade Brasileira de Nutrição e a vice-presidência da Federação Latino-Americana de Nutrição. O médico também lançou oito livros e o projeto Obesidade Zero, focado no combate ao problema.
Magnoni conta que os nove passos do programa, criado há um ano e meio e aprovado como modelo para a América Latina pela federação de nutrição da região, pretende modificar a forma como o Brasil lida com a doença, a começar pela inversão da hierarquia do sistema de saúde do país. “Os postos de saúde devem obrigatoriamente medir e pesar os pacientes para termos dados objetivos e encaminhar essas pessoas para tratamento médico.”
O cardiologista também propõe a indicação para atividades físicas com base no perfil econômico, etário e cultural do indivíduo. “Uma mulher de 50 anos não quer ir à academia porque há um desfile de corpos bonitos e jovens, mas o homem vai porque é safado”, comenta.
Um panorama que precisa ser alterado, pois, segundo dados de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 50,1% dos homens acima de 20 anos estavam com sobrepeso, assim como 48% das mulheres na mesma faixa etária. O estudo registrou ainda que 12,4% dos brasileiros e 16,9% das brasileiras estavam obesos.
O cenário, segundo o médico, é causado pela falta de políticas públicas em vigor para solucionar o problema. “Pensa-se na tuberculose, na hipertensão e na Aids, mas não na nossa maior epidemia.” Ele acrescenta que a obesidade e suas doenças relacionadas, como diabetes e hipertensão, aumentam as despesas do sistema de saúde com tratamentos mais prolongados em relação a pacientes saudáveis. “Se você tossir em posto de saúde, eles isolam a área”, brinca.
Magnoni é articulado e bem-humorado. Além da graduação pela Unicamp e de um mestrado na área clínica, fez MBA em marketing. “Queria conhecer melhor o mundo, saber lidar corretamente com o público e criar estratégias mais efetivas para os meus projetos.” Hoje o especialista em nutrição encontra tempo até para lecionar marketing em saúde.
Graças aos conhecimentos adquiridos na área de comunicação, seus projetos, como o Obesidade Zero, têm despertado a atenção de autoridades brasileiras e internacionais. O programa, que propõe a redução de impostos para os alimentos considerados saudáveis, entre eles, frutas, legumes, verduras e cereais, interessou ao cônsul da Bolívia. De acordo com o médico, o diplomata tenta inclusive agendar um encontro com o presidente Evo Morales para a apresentação da ideia.
No Brasil, as articulações parecem mais avançadas. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, conheceu o programa e teria demonstrado interesse em partes do plano, incluindo o incentivo fiscal. “Ele (Padilha) entendeu perfeitamente a necessidade de mudar a hierarquia da saúde, além do interesse pelo estudo do Exército.” Outra interessada seria a cidade de São Paulo, onde o vereador Paulo Frange (PTB) criou um projeto de lei para implantar o Obesidade Zero no município. Frange vai ainda mais longe: quer apresentar o plano ao prefeito Gilberto Kassab.
Entusiasmado com o assunto, Magnoni destaca mais uma iniciativa capaz de melhorar a alimentação dos brasileiros, utilizada amplamente na Alemanha. A licitação de barracas de frutas limpas e padronizadas pelas cidades, explica, geraria empregos e investimentos. “Estive em Munique e lá essa ação funciona há tempos, oferecendo uma opção saudável à coxinha.”
O cardiologista aproveita a menção ao popular salgadinho gorduroso para lembrar da necessidade de proporcionar uma educação alimentar às crianças. Ele defende, por exemplo, ser preciso banir alimentos industrializados das merendas e incluir, em porções pequenas, produtos ricos em fibras e vitaminas. “Conscientizar os jovens é muito importante, pois se formam educadores capazes de mudar a dieta da família.”
Fundamental, martela o médico, é alterar a relação da sociedade com os alimentos, uma vez que as interações interpessoais estão majoritariamente ligadas à comida. “A mãe sempre quer premiar o filho estudioso ou o que come toda a refeição com um sorvete ou chocolate. Além disso, quando saímos com alguém vamos a uma pizzaria ou a uma lanchonete.” Segundo Magnoni, essa percepção é construída desde a infância e muitas vezes se baseia na publicidade. Por isso, pede um maior controle dos comerciais, em geral de tevê, que incentivam o consumo de alimentos prejudiciais à saúde. “As crianças são vítimas de um forte bombardeio de propagandas destes produtos e são influenciadas a consumir dois ou três ‘lanches felizes’ apenas para ganhar os brinquedos que os acompanham.”
Recrutas balofos
Estudo de Magnoni com jovens de 18 anos alistados no Exército mapeia a evolução da obesidade nos últimos 40 anos.
Nos últimos 40 anos, aumentou o número de jovens obesos na faixa dos 18 anos. Segundo estudo de Daniel Magnoni, baseado em dados do alistamento militar obrigatório feito pelo Exército brasileiro, a proporção de indivíduos com esse perfil subiu de 0,9% entre os jovens nascidos em 1960 para 2,8% entre os nascidos em 1990. O levantamento analisa apenas homens com a idade mínima para servir às Forças Armadas no Brasil.
A pesquisa, que observou 2.540.099 jovens, 99,1% deles habitantes do Estado de São Paulo, identificou uma evolução do peso maior que a da altura. Em 1960, os alistados tinham em média 168,4 centímetros de altura e pesavam 61,8 quilos. Em 1991, o peso médio era
de 69 quilos e a estatura 174,8 centímetros. No período, os indivíduos analisados ficaram 10,5% mais gordos e apenas 3,7% mais altos.
Outra variação registrada foi a proporção de pessoas bem nutridas (eutróficas), ou com o IMC inferior a 25, que caiu de 92,5% para 81,7%.
Segundo o levantamento, a partir de 1968, o peso médio dos alistados passa a aumentar em média um quilo por ano. “Nessa época, houve algumas mudanças sociais e de políticas públicas no país. Deixa-se de fortalecer a amamentação materna em apoio ao uso do leite em pó para ganhar peso”, diz o médico. “Havia inclusive o prêmio Bebê Johnson, que premiava a criança mais gordinha. Hoje isso seria um crime”, diz Magnoni.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.