Na quarta-feira (16/11), Achim Steiner, diretor-executivo do Pnuma, órgão líder na organização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, afirmou que as ações governamentais deverão internalizar o real valor da natureza nessa nova economia, por meio de mecanismos como a Iniciativa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) e as compras verdes.
A intenção com essas medidas de valorização dos ativos florestais é criar um novo indicador de riqueza, mais adequado que o PIB, por levar em conta os custos da poluição e degradação do ambiente. Na quinta-feira (17/11), o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, lembra ao planeta que “o desmatamento ameaça o clima, o desenvolvimento econômico e a vida de comunidades que dependem de florestas para viver”, pois em termos globais, esta prática configura-se como o segundo maior vilão do efeito estufa, com cerca de 17% do total das emissões de carbono na atmosfera.
No mesmo momento, reunidos em Belém (PA), entre os dias 16 e 18 de novembro, para o V Encontro Anual do Fórum Amazônia Sustentável (FAS), ambientalistas e povos da floresta discutiram seu protagonismo nesse desafio de escala global. Em entrevista para o Mercado Ético, Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), fala sobre as reais necessidades, demandas e posições das comunidades guardiãs da floresta amazônica, um dos principais redutos de serviços ambientais do planeta.
Leia abaixo a entrevista.
ME – O governo brasileiro e a Comissão Organizadora da Rio+20 propuseram, em outubro, a adoção do “bolsa verde global” como um mecanismo para a superação da miséria sem prejudicar o meio ambiente. Além disso, nosso governo também pretende defender mecanismos de estímulo a novos padrões de produção e consumo, uma lei de acesso à informação internacional sobre dados ambientais, e a criação de um novo índice de desenvolvimento para substituir o tradicional IDH da ONU. Qual seria, afinal, o foco mais importante para a Rio+20 do ponto de vista das 600 organizações da sociedade civil na Amazônia que o GTA representa?
Rubens Gomes – São temas importantes, sem dúvida. Interdependentes. Mas o que importa é se isso vai mesmo sair do papel e qual benefício trará para os povos e comunidades da Amazônia. Veja só o Programa Bolsa Floresta, iniciativa do governo do Amazonas: esse dinheiro, que é distribuído entre as populações tradicionais em 15 UCs (Unidades de Conservação), faz muito marketing, mas chega minguado nas mãos do beneficiário. Enquanto isso, os gestores do programa são os maiores beneficiados, mudando assim o objeto do projeto, pois ele modifica o modo de vida tradicional dessas comunidades, uma vez que elas deixam de produzir por força do compromisso assinado. Tampouco podem abrir roçados, sendo obrigados a manter a agricultura familiar nas áreas de capoeira, onde a produtividade é baixa e o trabalho, extenuante. Do ponto de vista das comunidades, seria mais eficiente investir esses recursos no desenvolvimento de uma economia florestal sustentável, de produtos madeireiros e não madeireiros. Isso manteria a floresta em pé e garantiria o direito ao trabalho com a geração de renda das populações tradicionais nesse Estado.
ME – Dentre as 24 propostas (nos temas de inclusão social e acesso à informação na Amazônia, regularização fundiária com controle social e plano estratégico “ecológico-econômico” para gestão de áreas protegidas, e grandes obras de desenvolvimento e infraestrutura) para inserir a Amazônia na chamada economia verde, quais são as principais necessidades e a maior oportunidade para a região?
Rubens Gomes – Todas são imprescindíveis. Mas esse não parece ser o foco do governo. O governo atual parece querer administrar a Amazônia como se ainda houvessem sesmarias: extraindo os recursos naturais, e deixando os impactos ambientais e sociais para trás.
ME – Nesse encontro sobre a Rio+20, qual foi a maior crítica feita à organização da Conferência e como isso será encaminhado ao governo?
Rubens Gomes – Percebemos um movimento de setores avessos ao caminho da sustentabilidade em querer transformar a Rio+20 em um grande festival de greenwash. Tais segmentos usam o discurso da economia verde, mas mantêm as velhas práticas insustentáveis no chão da fábrica. Nós identificamos também que o governo quer vender a ideia do Brasil como G1 da biodiversidade, mas não investe na conservação dos recursos naturais. Tampouco consegue segurar a investida dos que querem o afrouxamento das leis ambientais. Veja o desmonte do Código Florestal. O governo, mesmo tendo a solitária ministra do Meio Ambiente lutando para defender a legislação, a presidente segue indiferente, e não vejo nenhuma possibilidade de a Comissão de Meio Ambiente do Senado em diminuir o prejuízo. Contra isso, também estamos nos preparando. Como presidente do GTA, que congrega mais de 600 organizações sociais, tenho me reunido com as lideranças e vamos levar uma posição consolidada. Mas hoje a informação está do lado de quem tem a verdade. E os movimentos sociais da Amazônia vão chegar à Rio+20 preparados para defender um meio ambiente sadio e justiça social para os povos e comunidades tradicionais.
Sabemos que a imprensa internacional estará presente e vai querer ouvir o que temos a dizer. Levaremos nossa posição aos governos e seus representantes, e mesmo ao secretariado das Nações Unidas.
ME – A ideia de criar uma entidade mundial dentro da estrutura de governança da ONU só para cuidar das questões ambientais em termos globais afeta diretamente as comunidades?
Rubens Gomes – Não acredito na viabilidade de uma nova ONU específica para cuidar das questões ambientais, mas isolada dos núcleos decisórios. Prefiro apostar nos compromissos firmados pelos governos nos anos recentes. Boas estratégias foram adotadas. Precisamos tirá-las do papel. Onde estão a vontade política dos dirigentes mundiais para levar a cabo os Objetivos do Milênio – lançado pela ONU em 2000, com oito metas claras de melhorias socioambientais? E o Protocolo de Quioto – adotado em 1997? Se os países não conseguirem elaborar um substituto à altura, a ONU terá de admitir que as coisas retrocederam na Convenção do Clima.
ME – Hoje em dia, no mundo globalizado, qual seria a melhor maneira de coordenar as ações em prol do compromisso com um planeta sustentável?
Rubens Gomes – O dia que tivermos transparência nas cadeias produtivas, um grande passo terá sido dado. Os consumidores não podem fazer escolhas sustentáveis se não souberem como um determinado produto foi feito. De onde veio a água, com que qualidade foi devolvida aos mananciais? Como os trabalhadores foram tratados ao longo dos processos de produção? Todos tinham carteira de trabalho assinada? E as emissões de carbono, foram compensadas? Houve trabalho análogo ao escravo ou trabalho infantil? Antigamente, monitorar isto seria impossível. Mas hoje, com as tecnologias da informação ficou fácil e barato. Falta só vontade política. Por exemplo, hoje, é tecnologicamente simples rastrear o local de onde foi retirada a madeira do cabo do talher que você encontra na prateleira das lojas. Com a internet, o consumidor pode acessar informações online de toda a cadeia de transformação daquela tora. Dá para ver até a imagem do toco onde a árvore estava. Isto sem aumento significativo de custo.
ME – As empresas ditas “responsáveis social e ambientalmente” preparam documentos em que apresentam o Brasil como líder na construção de um mundo sustentável visto suas florestas, ou sua vocação para a produção de energias renováveis. Mohammad Zaidi, ex-presidente da Alcoa, afirmou recentemente que, em um planeta habitado por nove bilhões de pessoas em 2050, “os desafios da sociedade deverão ser solucionados com solidariedade e cooperação global”. Como presidente de entidade representando povos da floresta, você acha realmente possível a governança compartilhada?
Rubens Gomes – Não há outra saída. O mundo hoje ficou pequeno. Qualquer decisão tomada em um país provoca consequências em outros continentes. O preço da soja em Chicago afeta as decisões dos pequenos criadores europeus e do agricultor no Mato Grosso. Se a indústria automobilística europeia parar de comprar couro de boi pirata, isso vai diminuir a destruições das florestas amazônicas e consequentemente as emissões de carbono. Se decidir que não vai comprar ferro-gusa produzido com carvão de madeira de desmatamento ilegal e de mão de obra escrava ou infantil, vai melhorar os índices ambientais e sociais do sudeste do Pará. Se consumidores, governos, indústrias e mídia não estiverem pactuados por um futuro de baixo-carbono, todos perderão. E os mais pobres perderão mais – como sempre.
ME – A organização da sociedade civil Vitae Civilis tem encabeçado a organização de uma agenda comum para a Rio+20. Há uma discussão sobre o real significado do conceito de economia verde, ou de desenvolvimento sustentável?
Rubens Gomes – O recado do pessoal da Vitae Civilis é que “economia verde será aquilo que faremos dela”. Tem gente bem intencionada, mas vejo muito lobo em pele de cordeiro. O que os movimentos sociais ligados ao GTA exigem é a garantia de direitos. Hoje a região Amazônica é foco dos investimentos do governo. Até 2020, deverão passar de R$ 212 bilhões, que podem aumentar quando concluídos os novos orçamentos. Esses recursos não visam ao desenvolvimento socioeconômico da Amazônia. Seu objetivo é explorar a matéria-prima para abastecer outras regiões ou países. Nossa luta é contra esse tipo de investimento. Não vamos admitir a construção de barragens que promovam deslocamentos de povos e comunidades tradicionais, matando os nossos rios e desfigurando nossas cidades.
ME – Como um dos articuladores do REDD+, qual a principal crítica que você poderia fazer aos mecanismos de financiamento internacional para a preservação de florestas – o MDL ou REDD+ não são uma faca de dois gumes, porquanto instrumentos de mercado que autorizam poluidores históricos?
Rubens Gomes – Nós do GTA não entramos nas questões de mercado de REDD+. Nos cabe a garantia de direitos dos povos da floresta. Se o projeto de fixação de carbono no solo, importado de países distantes, exigir que o ribeirinho deixe de manejar a floresta ou o proíba de coletar frutos e abrir seu roçado, isto não nos interessa. Não precisamos de mesada. Sabemos viver da floresta sem destruí-la. Temos a fórmula da sustentabilidade. Este é o nosso tesouro. Se abrirmos mão dele, perdemos tudo. Por outro lado, não estamos em condições de negar os investimentos que projetos de REDD podem trazer, já que há ausências de políticas públicas estruturantes. Temos de ter discernimento. E justamente por isso apoiamos o Portal do Observatório do REDD, que mapeia as políticas públicas e os projetos de REDD no Brasil, usando dados técnicos e informações sobre as condições socioambientais. O Observatório garante visibilidade e transparência aos projetos, facilitando o controle social por parte das organizações da sociedade civil ou de observadores públicos ou privados, apoiando as boas iniciativas, e garantindo que princípios e critérios socioambientais sejam cumpridos.
ME – Sobre as metas para a Convenção da Biodiversidade (2020), o que as populações tradicionais têm preparado em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente?
Rubens Gomes – Estamos na Comissão Nacional da Rio+20, e no Grupo de Trabalho ampliado coordenador pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, onde participamos da construção coletiva do documento de posição do Brasil. Mandamos nossas sugestões, que foram acatadas em parte. No documento final, um ponto nos preocupa: o tópico energia que refere-se a diversas fontes alternativas de geração de energia limpa (que apoiamos) não cita em momento algum o atual sistema de geração de energia pelas grandes barragens, como Belo Monte, as do rio Madeira, e as planejadas para o Rio Tapajós. Alguma coisa não bate!!!!
* Publicado originalmente no blog da Isabel Gnaccarini, no site Mercado Ético.