O Brasil não está preparado para abrigar a mais voluptuosa exploração de petróleo em águas profundas do mundo. Esta talvez seja a maior lição do vazamento de óleo nas proximidades de um poço aberto pela Chevron na Bacia de Campos, o qual revelou uma série de irregularidades e omissões em diferentes níveis governamentais e privados.
Não é possível que os engenheiros e funcionários da Chevron ouvidos na plataforma da companhia pelo delegado da Polícia Federal responsável pelo caso, Fábio Scliar, digam que “não receberam treinamento para lidar com vazamentos”, nem saibam apontar com exatidão para onde está sendo levado o óleo supostamente recolhido pela Chevron, conforme nota divulgada pela empresa.
Não é admissível que o vazamento tenha sido percebido primeiro pela Petrobras, que ainda emprestou equipamentos capazes de observar a 1.200 metros de profundidade o que exatamente estava acontecendo nas fissuras geológicas que começaram a “sangrar” óleo nas imediações do poço aberto pela TransOcean a pedido da Chevron. A mesma TransOcean que está sendo processada nos Estados Unidos por envolvimento no maior desastre ambiental daquele país, o megavazamento de óleo da BP no Golfo do México, há pouco mais de um ano. O próprio presidente da Chevron, Charles Buck, admitiu que “subestimou-se a pressão do reservatório”.
A investigação deverá revelar os termos do licenciamento dado à Chevron para operar o campo, mas não será surpresa se os argumentos técnicos em favor da exploração forem ligeiramente parecidos com outros relatórios alusivos a áreas completamente diferentes, por conta do velho truque do “copia e cola” tão amplamente disseminado nas rotinas dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA).
Numa curiosa coincidência, o vazamento ocorreu poucas semanas depois de o governo anunciar medidas que, na prática, agilizam (ou flexibilizam) o processo de licenciamento ambiental. No caso da exploração de petróleo e gás, as licenças passariam a ser feitas por blocos de área de exploração e não mais poço a poço.
Pergunta importante: esse novo modelo de licenciamento permitiria a descoberta de fissuras geológicas sensíveis a abertura de poços como aconteceu agora com a Chevron?
Outra questão importante: por que o governo ainda não anunciou o Plano Nacional de Contingência, que já foi aprovado por lei há 11 anos? O Plano deve estabelecer responsabilidades e atribuições para cada diferente setor governamental ou privado quando houver vazamentos. É evidente que o assunto desagrada a quem, a partir do Plano, deixa de ter desculpas para não ter sido devidamente prudente ou suficientemente ágil em caso de acidentes.
Para piorar a situação, o valor máximo da multa por crime ambiental no Brasil é de apenas R$ 50 milhões. Segundo o delegado da PF, Fábio Scliar, bastam 53 minutos de produção para que uma petrolífera consiga arrecadar esses R$ 50 milhões. Em resumo: essa multa não intimida nenhuma empresa do setor.
A situação é particularmente grave num país onde já existem 136 plataformas de produção, 60 sondas de perfuração e 8.964 poços em funcionamento. Segundo o Ibama, ocorrem em média de 20 a 30 pequenos vazamentos de óleo por ano. Trata-se de uma atividade de altíssimo risco, motivo pelo qual o professor da Coppe/UFRJ, Segen Stefen, advertiu em uma entrevista recente que os “vazamentos vão acontecer, eles acontecem na indústria do petróleo, razão pela qual precisamos ter as ferramentas adequadas para lidar com eles”.
Pois bem, as ferramentas não estão disponíveis e as perspectivas de aumento de produção por conta das reservas estimadas de óleo na camada pré-sal são gigantescas. Segundo o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires, o Brasil produz hoje 2,2 milhões de barris de petróleo por dia. Em 2020, esta produção deve chegar a seis milhões de barris/dia. Segundo Adriano Pires, a exploração de petróleo na camada pré-sal, a mais de cinco quilômetros de profundidade, aumenta consideravelmente a complexidade das operações. Isto vale tanto para a retirada do óleo como para a execução dos planos de contenção ou remediação de vazamentos.
Para que ninguém se arrependa depois, é preciso agir agora com a devida coragem, realinhando os procedimentos que envolvem licenciamento, monitoramento, fiscalização, multa e novas medidas de segurança. Não basta ser megaprodutor de petróleo. É preciso fazer isso com responsabilidade e ética.
* André Trigueiro é autor do livro Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação. Apresenta o Jornal das Dez e é editor-chefe do programa Cidades e Soluções, da Globo News. É também comentarista da Rádio CBN e colaborador voluntário da Rádio Rio de Janeiro.
** Publicado originalmente no site EcoD.