O esforço integrador da América Latina não chegou ao incerto cenário da adaptação à mudança climática.
Cidade do México, México, 28 de novembro de 2011 (Terramérica).- A previsível ausência de acordos obrigatórios para estabilizar o clima terrestre abre a brecha para pactuar espaços latino-americanos de cooperação que permitam a adaptação aos severos efeitos da mudança climática. Algumas iniciativas dão seus primeiros passos. Contudo, os resultados da 17ª Conferência das Partes (COP 17) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, que acontece entre 28 de novembro e 9 de dezembro na cidade sul-africana de Durban, poderiam funcionar como um acelerador.
Em agosto, Belize, Colômbia, Costa Rica. El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e República Dominicana formaram o Programa Intergovernamental de Cooperação Mudança Climática-Oportunidades e Desafios na Agricultura (Prica-Ado), que busca criar uma rede técnico-científica, fortalecer a capacidade dos órgãos nacionais e regionais, e apoiar os governos na criação e aplicação de políticas públicas.
As transformações que já são vistas no agronegócio se traduzem “na necessidade de modelos de gestão do território e da agricultura que tenham capacidade de prever e ajustar-se às mudanças”, disse ao Terramérica a líder do projeto no escritório mexicano do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, Martha Alviar. “Isto exige políticas públicas para a adaptação em ordenamento territorial, desenvolvimento tecnológico, financiamento do risco, infraestrutura, estratégias de conservação, conhecimento e uso da oferta ambiental”, esclareceu Martha, especialista em geomática para planejamento territorial.
O Caribe e a Mesoamérica (sul do México e América Central) estão especialmente expostos a secas fortes e ciclones devastadores. A agricultura está sujeita a novos padrões de frequência e intensidade de chuvas, alterações no estado dos solos e variações nos rendimentos. América Central, México e nordeste do Brasil estão entre as regiões que, segundo evidências que permitem uma certeza mediana, sofrerão secas mais intensas neste século, de acordo com o informe especial sobre manejo de risco de eventos extremos e desastres, aprovado no dia 18 pelos governos integrantes do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC).
Há a probabilidade de 66% a 100% de aumento da velocidade dos ventos dos furacões, como os que se formam a cada ano no Mar do Caribe e no Golfo do México, embora seja provável, também, que não cresça e, inclusive, diminua a quantidade de ciclones tropicais, afirma o documento. Em 2012, o Prica-Ado vai elaborar um diagnóstico da sub-região baseado nos sistemas agroecológicos, para gerar unidades que administrem a adaptação.
“A definição e a valorização dos agrossistemas, a geração de cenários geoprospectivos e a gestão de políticas públicas constituem as dimensões nas quais o programa impulsionará a tomada de decisões e a ação coletiva dos governos, cientistas e produtores agrícolas dos países”, anunciou Martha. Contudo, os desafios são muitos. “A institucionalidade ainda não evoluiu para assumir o desafio da adaptação ou da redução de riscos e vulnerabilidade”, disse ao Terramérica o economista do Programa Salvadorenho de Pesquisa sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente (Prisma), Nelson Cuéllar. “Temos na região uma forma de abordar a temática de maneira setorial, e a mudança climática não pode ser enfrentada” dessa forma, ressaltou.
Em 2008 foi adotada a Estratégia Regional Agroambiental e de Saúde na América Central 2009-2024. Dois anos mais tarde, foi implementado o Plano Ambiental da Região Centro-Americana 2010-2014, e este ano foi a vez da Estratégia Regional de Mudança Climática. Dificilmente a COP 17 adotará um acordo vinculante para reduzir os gases-estufa, ou um segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto, que suceda ao que se extinguirá em 2012, e que é o único tratado obrigatório para mitigar a mudança climática.
Baseado em que a liberação de gases-estufa nas atividades humanas está provocando o aquecimento global, o Protocolo obriga os países ricos que o ratificaram a reduzir suas emissões em volumes 5,1% menores aos de 1990. Entretanto, esta meta não será cumprida, como estava previsto, até o próximo ano. Na América do Sul, porém, não se avista um espaço regional para enfrentar o drama climático, apesar das chuvas torrenciais que este ano atingiram Colômbia e Venezuela, do acelerado derretimento de geleiras na região andina e do desmatamento da Amazônia.
É que “prevalece o individualismo”, e a potência regional, o Brasil, “como país de desenvolvimento médio, quer desfrutar as vantagens do Grupo dos 77 e dos países desenvolvidos, caminhando pela corda bamba”, disse ao Terramérica o especialista em negociações internacionais sobre mudança climática, Morrow Gaines, da organização não governamental brasileira Vitae Civilis. Para Maureen Santos, especialista em negociações internacionais da Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional, deveria ser criado um fundo para projetos de adaptação na União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e uma reunião especializada em meio ambiente no Mercado Comum do Sul (Mercosul) e em outras instâncias de integração.
“Ativar no Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) e na Unasul a discussão sobre energia” pode ajudar a compor um plano regional para a mudança climática, acrescentou Maureen. De fato, várias propostas de reuniões especializadas do Mercosul se converteram em políticas regionais. “Por que não uma reunião sobre clima?”, questionou. Para Gaines, copresidente do Conselho da Rede de Ação Climática Internacional, “o fórum mais apropriado” para tratar da adaptação seria a comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), porque já promove discussões a respeito.
Nas áreas mais vulneráveis, como a América Central, há respostas governamentais destinadas a reduzir danos. El Salvador acolherá, no dia 16 de dezembro, uma reunião do Grupo Consultivo para a Reconstrução, formado pelos presidentes centro-americanos, para abordar os efeitos das chuvas devastadoras que sofreu a região em setembro e outubro. “Muito do que se fizer dependerá de quanto financiamento será possível mobilizar, mas o financiamento não é suficiente. Há desafios institucionais que são uma forte restrição para implementar ações com sentido mais integrado”, disse Nelson.
No entanto, o dinheiro também importa. Dos US$ 30 bilhões comprometidos pelos países ricos para medidas de adaptação e mitigação, só foram entregues US$ 8,585 bilhões, segundo o britânico Instituto para o Desenvolvimento em Países Estrangeiros (ODI). Na região, apenas México e Peru receberam recursos para quatro programas.
* O autor é correspondente da IPS. Com as colaborações de Edgardo Ayala (El Salvador) e Mario Osava (Rio de Janeiro). Este artigo é parte de uma série apoiada pela Alianza Clima y Desarrollo (CDKN).
LINKS
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Clima: Cada vez mais quente – Cobertura especial da IPS, em espanhol
Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – México
Programa Salvadorenho de Pesquisa sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, em espanhol e inglês
Plano Ambiental da Região Centro-Americana 2010-2014, em espanhol
Estratégia Regional de Mudança Climática, pdf em espanhol
Informe especial sobre manejo de risco de eventos extremos e desastres para avançar na adaptação do IPCC, pdf em inglês
Instituto para o Desenvolvimento em Países Estrangeiros – Grã-Bretanha, em inglês
Comissão Econômica para América Latina e o Caribe, em espanhol, inglês, francês, português
Federação de Órgãos de Assistência Social e Educacional
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.