Ouro: porto seguro ou ativo arriscado?

Em vários momentos ao longo de 2011, os mercados financeiros parecem ter visto o ouro como o porto seguro definitivo, ou como uma commodity arriscada, a ser vendida o mais rapidamente possível quando os riscos econômicos e financeiros se intensificavam. A incerteza econômica parece destinada a persistir em 2012, assim como as taxas de juros ultrabaixas no mundo desenvolvido, com a possibilidade de novas facilitações quantitativas (e o risco de degradação monetária). Contrabalançando essas tendências positivas para os preços do ouro, existe a probabilidade de um dólar um pouco mais forte e preços de matérias-primas não ouro mais fracos. No balanço, contudo, a Economist Intelligence Unit acredita que a previsão para o ouro em 2012 é positiva, e que suas qualidades de “reserva de valor” continuarão atraindo investidores.

Não faz muito tempo, o ouro tinha sido descartado pela comunidade de mineração, que se concentrou cada vez mais no fornecimento de matérias-primas industriais (como metais básicos, carvão e minério de ferro) para suprir rapidamente a crescente demanda da China. O ouro era quase considerado um metal nicho, com alguns usos industriais limitados e um mercado de joias em declínio nos Estados Unidos e na União Europeia. A ideia do ouro como reserva de valor ou moeda global alternativa parecia pertencer a uma era passada.

A quebra do mercado financeiro e a recessão global de 2008-2009 mudou essa imagem. Os preços do ouro subiram acentuadamente nos últimos três anos, enquanto aumentava a aversão ao risco. Até quando as matérias-primas em geral estiveram muito fracas, o ouro se manteve relativamente bem. Por exemplo, pouco depois do colapso do Lehman Brothers em 2008, os preços de quase todas as commodities entraram em queda livre. Os preços do ouro também caíram, mas o metal ainda se saiu melhor que outras matérias-primas. Desde o início de 2009, os preços do ouro foram voláteis em uma base diária, mas subiram constantemente até uma acentuada liquidação (em conjunto com outras commodities), no final de setembro de 2011. Os mercados nesse momento foram abalados por um aprofundamento da crise das dívidas soberanas na zona do euro, preocupações sobre o crescimento econômico dos Estados Unidos e sinais de uma desaceleração da economia chinesa.

O ouro perde o brilho

A queda dos preços das matérias-primas em momentos de incerteza econômica não é surpreendente: os preços das matérias-primas industriais em particular estão intimamente relacionados ao ciclo econômico. O dólar norte-americano também tendeu a se reforçar em períodos de maior aversão ao risco, e os movimentos dos preços das commodities podem muitas vezes ser relacionados negativamente ao dólar (pois os índices de referência das commodities são geralmente apreçados em dólares).

A queda dos preços do ouro em setembro foi mais surpreendente (apesar de terem se recuperado desde então). Na maior parte de 2011, os preços do ouro se beneficiaram da ansiedade dos investidores sobre riscos econômicos e financeiros. As crescentes preocupações sobre a degradação monetária e os escorregões dramáticos em mercados de ações também reforçaram o interesse por ativos físicos em geral. O ouro é atraente nesse sentido, pois é fácil de guardar e transportar e seu suprimento não depende da produção das minas, muitas vezes interrompidas. Apesar desses fatores, em setembro houve um enfoque renovado no mercado para as qualidades que o ouro compartilha com outras commodities – ou seja, risco, volatilidade e falta de rendimento. Além disso, as commodities, ao contrário das moedas, não têm uma autoridade central que interfira quando necessário para proteger seu valor.

Parece provável que parte das vendas de ouro no final do terceiro trimestre foram uma reação às tensões em outras partes do sistema financeiro – por exemplo, quando os investidores foram obrigados a cobrir pedidos de margem em outros lugares. A retirada de lucros também foi um fator. No início de setembro, os preços do ouro haviam subido quase 40% desde o início de 2011, e o mercado parecia pronto para uma correção. Um último fator na fraqueza do ouro nessa época foi a decisão da Bolsa Mercantil de Chicago, de aumentar as exigências de margem para futuros em ouro de cem onças em três ocasiões diferentes, em agosto e setembro.

Fundamentos sólidos

Apesar desses problemas, os preços do ouro se recuperaram de sua baixa no final de setembro. O ouro foi negociado a cerca de US$ 1.720 por onça troy (31,10 gramas) em 18 de novembro, contra US$ 1.598 em 26 de setembro. Seus fundamentos continuam sólidos. Na verdade, enquanto o interesse dos investimentos pelo ouro aumentou, é fácil esquecer que uma proporção significativa da demanda por ouro ainda vem do setor de joalheria. (Também existe demanda industrial, principalmente do setor de eletrônica, mas também do setor dentário.)

A joalheria representou 74% da demanda global em 2004, embora esta tenha caído para apenas 50% em 2010, enquanto aumentava o interesse dos investidores. (Em alguns casos, as joias são compradas para investimento assim como para fins decorativos, mas isto é impossível de mensurar.) Segundo os últimos dados do Conselho Mundial do Ouro, a demanda pela joalheria se manteve no terceiro trimestre de 2011 – apesar dos preços recordes do ouro –, crescendo cerca de 6% ano a ano em termos de volume. O crescimento do consumo foi especialmente forte na China, com aumento de 12,6% ano a ano, e na Rússia de 18,1%. A demanda na Índia, historicamente o maior mercado de joias de ouro, se contraiu acentuadamente no terceiro trimestre, mas este é um período de baixa tradicional antes das temporadas de festas e casamentos no final do ano. Os altos preços e certa fraqueza da rúpia também atuaram provavelmente como restrições ao consumo indiano.

Demanda por investimento aumenta

A demanda por investimentos, enquanto isso, continua substancial. Depois de um fraco início de ano, os influxos nos fundos cotados em ouro na Bolsa (ETFs) se recuperaram em 2011. Os influxos de investimentos (excluindo os ETFs) aumentaram 36% ano a ano nos primeiros nove meses de 2011 (os últimos dados disponíveis), com a demanda especialmente forte por barras e moedas na Europa. Esses dados cobrem amplamente o período anterior à liquidação no final de setembro. Mas os primeiros sinais, refletidos na recuperação parcial dos preços, são de que a demanda por investimento se recuperou ao longo de outubro. Os influxos em ETFs no mês foram positivos, em 25 toneladas.

Previsão promissora em curto prazo

O quarto trimestre é um período sazonalmente forte para a demanda por ouro, e a recente correção de preços poderia inspirar um novo surto de compras de joias (especialmente nos mercados atentos a preços da Índia e do Oriente Médio). Além disso, esperamos que a demanda do investidor, particularmente na Ásia, continue sustentando os preços durante o restante de 2011 e em 2012, dadas as taxas de juros reais persistentemente baixas (ou com maior frequência negativas) e a incerteza econômica. Assim como no mercado de joias, a recente queda dos preços provavelmente terá representado uma “oportunidade de compra” para os investidores.

Esperamos que os preços sejam em média de US$ 1.735 por onça troy no quarto trimestre de 2011. A incerteza econômica continuará sustentando os preços em uma média de pouco mais de US$ 1.800 por onça em 2012, mas prevemos que os preços cairão no segundo semestre, quando os investidores começarem a preservar os lucros e a levar em conta a perspectiva de uma normalização global da política monetária a partir de 2013.

* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.