Xangai, China, 29/11/2011 – Embora seja relativamente pequena, a cidade chinesa de Wenzhou pode ter o mesmo efeito sobre a economia deste país que teve a Grécia sobre a zona do euro, afirmam analistas. Contudo, ao contrário do caso grego, a crise de Wenzhou ainda pode ser uma benção disfarçada para a China, afirmam outros. Como berço das empresas privadas, a cidade, tanto injuriada quanto admirada pela audácia de seus empresários, poderia disparar a qualquer momento uma genuína reforma bancária que transformasse o país.
“Deem uma oportunidade a Wenzhou, deixem que ela dependa do que melhor entende: como funciona o mercado”, escreveu o secretário da associação de investimentos em empresas privadas que não são cotadas na Bolsa, Wang Wei, no jornal China Times. Talvez assim não seja a China que salve Wenzhou, mas Wenzhou que salve a China, afirmou.
Wenzhou, localizada no delta do Rio Yangtzé, a 350 quilômetros de Xangai, foi durante anos sinônimo de riqueza alcançada por mérito próprio. Enquanto porto de onde muitos chineses viajavam no passado para o exterior em busca de trabalho, a cidade tem raízes empresariais que datam de séculos. Apesar de campanhas recorrentes contra os capitalistas, Wenzhou prosperou enquanto empresas familiares instalavam fábricas na década de 1980 para produzir calçados, roupas, botões e brinquedos de plástico.
Excluídas dos mercados de valores e ignoradas pelos bancos estatais, essas empresas abriram bancos privados e emprestaram dinheiro entre si ou pediram a familiares no exterior. Foi assim que Yuan Suquan, produtor de acessórios para decoração da casa, fez crescer seu negócio, passando de Wenzhou para Xangai e depois para o exterior, conforme contou à IPS.
Seus produtos são muito apreciados na Europa. Enquanto estava em Xangai, a pedido de clientes chineses, Yuan solicitou dinheiro emprestado a um banco privado para expandir sua produção, quando os pedidos começaram a chegar, primeiro da França e depois da Suécia. No começo pediu empréstimo a juros de 2%, que nos últimos anos foi aumentando. Simultaneamente, os pedidos diminuíram.
“Agora, os juros são de 7% ou 8%, ou mais, embora se conheça quem toma emprestado”, afirmou Yuan. “Eu ainda estou bem porque minha mercadoria é bastante apreciada, mas outros que produzem acendedores ou botões agora perdem clientes que compram em fábricas do Camboja e do Vietnã”, o que dificulta o pagamento de suas dívidas, explicou.
Xangai é o centro de diversões para os empresários de Wenzhou que ficaram realmente ricos. Aqui alardeiam sua riqueza dirigindo automóveis luxuosos, bebendo champanhe ou comprando produtos de grife. “Eles inflaram o mercado imobiliário de Xangai. Gente como eu não pode se dar ao luxo de pagar uma casa aqui porque os comerciantes de Wenzhou especularam com as propriedades de Xangai”, disse o taxista Liu.
Isto era certo antes de as histórias sobre chefes de Wenzhou fugitivos, empresas em bancarrota e inclusive suicídios começarem a surgir na cidade. Desde o último verão, Wenzhou domina as manchetes dos jornais com alguns casos famosos de empréstimos com usura, incentivando o primeiro-ministro, Wen Jiabao, a fazer em outubro uma visita e pedir urgência aos bancos no sentido de oferecerem mais créditos às pequenas empresas.
Ao começar a sentir os efeitos da crise econômica europeia, as pequenas empresas lidam com salários maiores e com a valorização do yuan. Os economistas começam a falar sobre a crise de Wenzhou como a ponta do iceberg de um sombrio sistema financeiro que pode colocar em risco a economia real.
Porém, o pesquisador Zhang Qi, do Novo Instituto de Pesquisa Financeira de Xangai, considera que a crise de Wenzhou é um reflexo do implacável ataque das empresas públicas sobre o capital privado e de como se deteriorou o ambiente empresarial e financeiro para o setor privado. “O que estas empresas de Wenzhou precisam não é que o Estado as resgate. Necessitam da legalização dos empréstimos privados para poderem ser financeiramente independentes e enfrentar as mudanças da economia mundial”, afirmou.
Há alguns dias, Pequim assinalou que finalmente poderia flexibilizar seu controle sobre o financiamento para o setor privado, e que considera legalizar os empréstimos privados em alguma das formas que lançaram raízes em bancos privados de Wenzhou. Um funcionário do banco central disse à agência de notícias Xinhua que Pequim explora vias de apoio às pequenas e médias empresas privadas, mediante a legalização de empréstimos privados com juros não maiores do que quatro vezes os dos empréstimos bancários.
“Este é um avanço real depois de muitos anos nos quais Pequim tentou sufocar os bancos clandestinos e eliminar os prestamistas privados”, disse o pesquisador Zhu Dake, da Universidade Tongji, de Xangai. “Também, talvez seja um sinal de que, para o Partido Comunista, seja cada vez mais difícil ignorar as cobranças dos grupos de interesses que representam o capital privado na China”, acrescentou. Envolverde/IPS