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A agricultura como prêmio de consolação

Em Durban, crianças apoiam os esforços para a redução de emissões de carbono. Foto: Zukiswa Zimela/IPS

Durban, África do Sul, 5/12/2011 – A sociedade civil alertou em Durban sobre o perigo de se transformar terras africanas destinadas à produção de alimentos em cultivos com vistas a comercializar créditos de carbono. Representantes de organizações não governamentais pediram, no dia 2, à África do Sul, país anfitrião da 17ª Conferência das Partes (COP 17) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática que não inclua a chamada “agricultura climaticamente inteligente” nas negociações.

O presidente sul-africano, Jacob Zuma disse que a agricultura deveria ser parte de um novo tratado climático. Outros funcionários da África do Sul já haviam dito à IPS que queriam incluí-la para que houvesse “fundos específicos e ações específicas” no contexto da Convenção Marco.

“Colocar a agricultura em um futuro tratado climático é como um prêmio de consolação para a África, porque os países ricos não puderam acordar objetivos legalmente vinculantes” para a redução na emissão de gases-estufa, disse Teresa Anderson, da Gaia Foundation, uma organização não governamental com sede em Londres. “Este prêmio de consolação é um cálice de veneno. Levará à apropriação de terras e porá os agricultores africanos nas mãos dos inconstantes mercados de carbono”, afirmou à IPS.

A agricultura é uma importante fonte de gases-estufa, como carbono e metano, que representam entre 15% e 30% das emissões contaminantes mundiais. Quando se inclui todo o sistema de produção de alimentos, as emissões totais derivadas da agricultura equivalem a quase metade de todas as emissões. Por esses motivos houve esforços prévios para incorporar esta atividade em um novo tratado climático.

As mudanças nas práticas agrícolas podem reduzir as emissões em grande proporção. Contudo, a melhor maneira de fazer isso é por meio de regulamentações, não de um tratado climático nem de créditos de carbono, segundo Anderson. “Por que agora os mercados são vistos com a única solução, quando há menos de dez anos nem mesmo estavam na mira?”, perguntou.

O Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outras entidades são a favor de uma “agricultura climaticamente inteligente”. Esta adota práticas sustentáveis, aumenta a produtividade e a resiliência às mudanças meteorológicas e reduz e/ou elimina os gases-estufa. A sociedade civil objeta este último.

“Tudo isto tem a ver com novos mercados de carbono. O Norte ainda não fez os necessários cortes de emissões e quer isto para poder simular que reduz as suas emissões”, disse Helena Paul, da organização ambientalista EcoNexus. Isto representa um profundo perigo para a agricultura, “com um potencial real de que aconteçam mais apropriações e expansão de monoculturas para poder obter créditos”, alertou. Segundo Anderson, os governos africanos veem os US$ 144 bilhões do mercado de carbono europeu e pensam que podem ser uma grande fonte de financiamento. Entretanto, muito menos de 1% terminou em projetos reais, acrescentou.

O primeiro projeto para vender créditos de carbono do solo na África está em andamento no Quênia. Financiado pelo Banco Mundial, cerca de 15 mil agricultores de 800 organizações agrícolas mudam suas práticas para sequestrar carbono por um período de 20 anos. Os custos para estabelecer o Projeto de Carbono Agrícola do Quênia, junto com os que implicam medir o carbono e comercializar os créditos, são estimados em mais de US$ 1 trilhão, disse Anne Maina, da filial queniana da African Biodiversity Network.

Com os atuais preços do carbono, os agricultores receberão apenas um dólar ao ano por seus esforços, quando lhes foi prometido muito mais, explicou Maina. Somente os donos de grandes áreas podem esperar algum benefício. Os grandes latifundiários, os consultores e outros especialistas serão os que ficarão com a maior fatia, acrescentou à IPS. “A África já sofre uma epidemia de concentração de terras. A corrida pelo controle dos solos para o comércio de carbono só pode piorar isto”, ressaltou Maina.

O Projeto de Carbono Agrícola do Quênia promove práticas agrícolas sustentáveis como o agrorreflorestamento, que são boas para a terra e aumentam a produção alimentar, reconheceu Maina. Porém, seria muito melhor financiá-lo com os fundos para a adaptação à mudança climática que os países industrializados prometeram proporcionar.

“Os mercados de carbono são altamente voláteis”, disse Steve Suppan, do Institute for Agriculture and Trade Policy, com sede nos Estados Unidos. Em novembro, a tonelada de carbono era cotada a apenas US$ 6, metade de seu preço em janeiro. Em boa parte, isto é consequência da crise financeira europeia. Os preços do carbono simplesmente são muito pouco confiáveis para serem considerados de longo prazo pela maioria dos investidores. Além disso, medir quanto carbono se sequestra é um procedimento extremamente técnico e incerto no longo prazo, por isso investidores com o Banco Mundial reduzem em 60% seu valor.

“Os créditos de carbono do solo só gerarão ganhos diminutos para os agricultores, permitindo que os maiores contaminadores continuem contaminando”, advertiu Suppan. O que precisa a agricultura africana são reduções reais das emissões, junto com um substancial financiamento para a adaptação à mudança climática, acrescentou. Nnimmo Bassey, presidente da Amigos da Terra Internacional, disse que “os créditos de carbono do solo são uma falsa solução” para a mudança climática. Bassey reclamou dos países ricos, responsáveis pela crise climática, que reafirmem seus compromissos de estabelecer “reduções legalmente vinculantes das emissões, em linha com a ciência e a igualdade”.

“O presidente sul-africano, Jacob Zuma deve apoiar a África e ser intransigente. Precisamos que os países ricos façam cortes profundos, drásticos e vinculantes das emissões, e finanças climáticas reais e públicas, não um mandato para uma nova onda de neocolonialismo financeiro”, por meio de disposições contidas no Fundo Verde para o Clima, afirmou em um comunicado o ativista Booby Peek, do capítulo sul-africano da Amigos da Terra. Envolverde/IPS