TERRAMÉRICA - Os grous já não passam, ficam

CRÉDITO O voo sazonal dos grous costumava marcar mudanças de temporada em toda a Europa. Foto: Cortesia Nabu/Herrmann

A permanência dos grous no outono mais quente da Alemanha está causando prejuízo a camponeses locais e conflitos com ecologistas.

Berlim, Alemanha, 12 de dezembro de 2011 (Terramérica).- Os grous, aves cujo peregrinar pelos céus da Europa marca a chegada do outono e da primavera boreais, estão mudando seus hábitos migratórios e ficam mais tempo no norte, tanto quanto o frio demora para chegar. A temperatura média de novembro este ano foi de 5ºC na Alemanha, um grau acima da média habitual para este mês. Algumas vezes, ao meio-dia, o termômetro chegou a 20 graus, o que explica as aves migratórias preferirem passar o outono e o começo do inverno em terras alemãs.

É o caso do grou comum (Grus grus), que até há alguns anos costumava emigrar em setembro desde seu habitat da primavera e do verão europeus, na Finlândia, Suécia e Rússia, para o sul, na Espanha, e inclusive até a região do Sahel, no norte da África. Mas a mudança climática está alterando as migrações naturais. Diante das temperaturas relativamente altas que o norte da Alemanha registra nos últimos anos, em particular no Estado federal de Brandenburgo, dezenas de milhares de grous retardam sua partida por quase dois meses.

O fenômeno provoca conflitos entre os camponeses da região – que veem seus campos ocupados pelas aves e seus povoados invadidos por milhares de turistas que chegam para fotografá-las – e organizações ambientalistas, que buscam otimizar as condições locais para abrigar os grous sedentários. Há três décadas, “algumas centenas de grous passavam um par de semanas em nossa região”, contou Hans Wagner, um idoso camponês que passou toda sua vida perto do lugarejo de Linum, 25 quilômetros a noroeste de Berlim. “Hoje, às vezes há mais de 50 mil”, acrescentou.

Essa presença maciça provoca problemas. “Os grous ocupam nossos campos, no inverno comem nossas sementes, na primavera o miolo, e fazem um barulho insuportável”, queixou-se Wagner. Como se não bastasse, se converteram em atração turística. Em setembro, os apenas 700 habitantes de Linum viram passar pelo local cerca de 30 mil turistas, muitos armados com formidáveis aparatos fotográficos para captar o majestoso voo coletivo dos grous. “No povoado não há espaço para tantos carros e ônibus”, advertiu Wagner.

Em reação à invasão das aves, camponeses como ele instalaram sistemas de alarme, alguns deles com detonação de bombas, para espantar os grous. No entanto, ambientalistas procuram transformar campos da região em habitat ótimo para as aves – que vivem em lamaçais e áreas pantanosas – inundando-os em setembro e abril para adaptá-los às suas necessidades.

“A região em torno de Linum é atualmente o maior habitat da Alemanha para os grous em sua migração para e desde o sul”, disse ao Terramérica o ornitologista Henrik Watzke, da organização Nature and Biodiversity Conservation Union (Nabu). Watzke, coordenador do escritório da Nabu em Linum, confirmou que em alguns dias de setembro e outubro a quantidade de grous em torno da aldeia passou de 80 mil. “As condições aqui são ideais”, explicou.

A temperatura no outono aumentou, a agricultura regional, principalmente de milho e trigo, fornece alimento suficiente para milhares de aves e também abundam rios e lagos, que permitem criar pântanos por algumas semanas no ano a fim de à noite proteger essas aves de animais predadores, com raposas e guaxinim. No entanto, Watzke nega que a maciça presença de aves seja um problema para os camponeses, uma posição polêmica em Linum.

“Algumas pessoas que se consideram muito inteligentes esperam que sacrifiquemos nossas terras e nossas plantações para permitir aos grous viverem aqui vários meses ao ano”, disse Heinz Wacker, outro camponês local. Vários protestam contra uma nova determinação que estabelece transformar 700 hectares de terreno, hoje utilizados para pastorear o gado, em uma área protegida para os grous. As terras pertencem à empresa agropecuária Rhinmilch. “Se perdermos estes terrenos, teremos que fechar”, disse o gerente da companhia, Jens Winter.

Além disso, afirmou que os ambientalistas não se dão conta dos custos provocados pela permanência das aves. “Um grou come 300 gramas diárias de grão. Isto é, 80 mil grous comem 24 toneladas de grãos por dia. Além disso, na primavera devoram primeiro o miolo. Esta situação não constitui um equilíbrio ecológico”, ressaltou.

* O autor é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.