Kinshasa, República Democrática do Congo, 13/12/2011 – Reina a psicose na República Democrática do Congo (RDC), desde o dia 5. Cerca de 21 pessoas foram assassinadas e persistem as denúncias de fraude nas eleições de 28 de novembro. Contudo, o reeleito presidente Joseph Kabila afirma que “não há crise neste país”. Em Kinshasa, as aulas foram suspensas por mais de uma semana e a atividade comercial ficou paralisada, enquanto as pessoas começam a ficar sem comida.
Testemunhos obtidos pela IPS falam da violência e do vandalismo e de um potente movimento militar e policial, com uso de gás lacrimogêneo e fogo real contra manifestantes. “Não há crise neste país. Vamos permanecer em calma e seguir com as atividades cotidianas do Estado”, disse Kabila ontem, em uma entrevista coletiva realizada nesta cidade, oportunidade que aproveitou para reiterar sua confiança de que o produto interno bruto experimentará crescimento de, pelo menos, 10% nos próximos dois ou três anos.
Kabila reconheceu que houve “erros” nas eleições presidenciais e legislativas, mas rechaçou o diagnóstico dos observadores do Centro Carter para a Paz, dos Estados Unidos, para os quais o resultado não tem “credibilidade”. A “credibilidade destas eleições não pode ser questionada. Houve erros? Sem dúvida, mas o Centro Carter sem dúvidas foi além do que deveria, acrescentou o mandatário.
O escrutínio primário, divulgado no dia 9 pela Comissão Nacional Eleitoral Independente (Ceni), dá a Kabila a vitória por 49% dos votos e só reconhece 32% dos votos a favor do líder opositor e principal adversário do presidente, Étienne Tshisekedi. O Ceni deveria divulgar o escrutínio primário das eleições presidenciais no dia 6, mas adiou em duas oportunidades. As eleições, que aconteceram em um notável clima de violência, foram as segundas deste vasto e rico país da África central desde a guerra civil (1998-2003). As primeiras, em 2006, também foram ganhas por Kabila.
O resultado foi imediatamente rejeitado por Tshisekedi, que se autoproclamou vencedor com 72% dos votos, segundo sua própria contagem. O Centro Carter afirmou no dia 10 que a participação nas urnas nos redutos de Kabila foi “tão alta que resulta impossível”, enquanto ficaram sem contagem votos emitidos em zonas nas quais a oposição é forte.
A organização das eleições deixa suspeitas sobre a confiabilidade dos resultados, disse o Centro Carter, fundado e dirigido pelo ex-presidente norte-americano Jimmy Carter (1977-1981). “Vimos imagens de milhares de pessoas fugindo da capital e verdadeiras batalhas entre manifestantes e forças de segurança”, afirmou a correspondente da rede de televisão Al Jazeera em Kinshasa, Yvonne Ndege. Os comentários de Kabila respondem à “ampla e negativa cobertura eleitoral dos meios de comunicação”, e, sobretudo, ao “informe do Centro Carter”, afirmou.
No dia 9, os disparos de morteiros e o gás lacrimogêneo marcaram a jornada, no dia seguinte, o porta-voz governamental, Lambert Mende Omalanga, pediu calma e afirmou que os responsáveis pelas ações violentas seriam levados à justiça. Porém, os disparos prosseguiram em toda a cidade, especialmente na elegante área de Macampagne, na localidade de Ngaliema e em Masina, populosa zona onde Tshisekedi venceu. No restante de Kinshasa nada se movia e os moradores permaneciam em suas casas.
Kabila, que chegou ao poder em 2001, após o assassinato de seu pai Laurent (1997-2001), também se referiu aos distritos nos quais não venceu. “Estou preocupado com os resultados? Não, em absoluto. Queríamos fazer melhor em algumas províncias, especialmente em Kivu do Norte e Kivu do Sul. Perdemos em algumas e ganhamos em outras”, declarou.
O arcebispo católico de Kinshasa, cardeal Laurent Monsengwo, afirmou à imprensa que os resultados eleitorais “não honram a verdade nem a justiça” e exortou Tshisekedi e os outros dez candidatos presidenciais derrotados a levarem o caso ao Supremo Tribunal de Justiça, medida que foi rejeitada pelo líder opositor. Monsengwo pediu imparcialidade ao alto tribunal, que deverá proclamar oficialmente o vencedor no dia 17, e que tem a seu cargo a justiça eleitoral. “Todo o povo congolense pede que diga o que realmente é correto”, acrescentou.
O também candidato presidencial Vital Kamerhe denunciou que os funcionários eleitorais preencheram as urnas com votos em Kabila antes de começar a votação. “A Ceni deve dar a vitória a Tshisekedi”, afirmou. “Cresce o temor de uma catástrofe”, contou Thiery Tomatala, funcionário público do bairro de Kintambo. “Não saberemos tudo o que fizerem polícia e exército contra manifestantes favoráveis a Tshisekedi”, acrescentou. Tomatala disse que duas lojas de comerciantes chineses foram saqueadas por homens armados usando roupa civil, uma em Kintambo, no dia 9, e outra em Bandalungwa, no dia 10.
Houve outros incidentes. “No dia 10, por volta de 8h30, um jipe cheio de policiais fortemente armados parou diante do meu depósito, que saquearam e me roubaram dois milhões de francos congolenses”, cerca de U$ 2,2 mil, disse e vendedora atacadista de pão Yvone Kinja, da Avenue de Libération, também em Bandalungwa.
“Não se permite a circulação de veículos na Avenue Libération, onde ficam o Centro Penitenciário e de Reeducação de Kinshasa (CPRK), a base militar Coronel Kokolo, o Ministério do Interior, Segurança e Descentralização e o Palácio da Nação, a residência oficial do presidente. A via foi ocupada pelo exército e por policiais armados até os dentes”, disse Anddée Ngudi, que mora nessa avenida.
Um coronel da polícia, que falou à IPS com a condição de não ser identificado, afirmou que essa força “tem a obrigação de proteger locais estratégicos do país, como o CPRK, a base militar e o escritório presidencial”. “É necessário a qualquer custo evitar multidões em volta do CPRK”, declarou o diretor da prisão, Dido Kitungwa, sem dar mais detalhes.
O CPRK mantém dois tipos de prisioneiros, segundo um estudo da Universidade de Kinshasa publicado em maio. Estes são “soldados e membros das forças de segurança condenados por tribunais militares entre 1997, quando tomou o poder a Aliança de Forças Democráticas para a Libertação do Congo de Laurent Kabila, e 2001, quando este foi assassinado”, diz o estudo.
O coronel que não quis dar o nome afirmou que a polícia só procurava dispersar a multidão e que as pessoas deveriam manter a calma e cuidar da vida. “Como podemos cuidar da nossa vida se nos últimos seis dias a própria polícia criou o terror na população?”, perguntou Guy Mamboleo, seguidor de Tshisekedi que vive não longe do CPRK. “O grande deslocamento policial e militar, o gás lacrimogêneo e os disparos com munição de guerra não são exatamente tranquilizadores”, disse à IPS. Envolverde/IPS
* Com informações da Al Jazeera.