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Argentina mostra ao mundo como sair do fundo

A Casa Rosada, sede do governo, em tempos de calma, muito diferente dos convulsionados protestos de 2001, quando foi rodeada de manifestantes raivosos. Foto: Marcela Valente/IPS

Buenos Aires, Argentina, 16/12/2011 – Como acontece atualmente na União Europeia (UE) e nos Estados Unidos, há uma década a Argentina também se encontrava efervescente, com as ruas de suas principais cidades cobertas de manifestantes que gritavam “basta” aos seus governantes. Então, outra história começou a ser escrita.

Os protestos de 19 e 20 de dezembro de 2001 na Argentina, que deixaram 40 mortos e vários feridos, foram o corolário de uma prolongada recessão e do endividamento público que derivou na quebra econômica e no consequente crescimento do desemprego e da pobreza, que chegaram a ser os mais altos de sua história moderna.

“Aquela crise foi resultado das políticas de ajustes que o Fundo Monetário Internacional (FMI) receitava na década de 1990, que são as mesmas que estão levando a Europa hoje à situação em que se encontra”, afirmou a socióloga Norma Giarraca à IPS.

Giarraca integra a equipe do Instituto de Pesquisas Gino Germani, da estatal Universidade de Buenos Aires, e é autora do livro Tempos de rebelião! Que saiam todos!, no qual analisa o movimento social surgido no calor do colapso econômico, social e político de 2001.

A grave situação, que se seguiu a três anos de queda do produto interno bruto, fortes reduções fiscais e crescente endividamento, levou à renúncia, em dezembro de 2001, do governo centrista de Fernando de la Rúa na metade de seu mandato de quatro anos, e seguiram-no quatro presidentes interinos designados em dez dias.

No entanto, a pobreza havia alcançado mais de 52% dos 37 milhões de argentinos na época e o desemprego chegou a mais de 24% de sua população economicamente ativa. Também os aeroportos ficavam lotados de emigrantes, especialmente jovens.

Assim, os protestos não reconheciam classes sociais: as classes média e média alta reclamavam por suas economias presas nos bancos por decisão governamental, no que se chamou de “corralito financeiro”, e os mais pobres saqueavam comércios de alimentos para sobreviver.

Finalmente, foi declarada a suspensão do pagamento da dívida, diante do pânico dos operadores financeiros dentro e fora do país, e o presidente designado pelo parlamento, Eduardo Duhalde, impulsionou a revogação da Lei de Conversão, que por quase uma década manteve engessada a taxa de câmbio de um peso por dólar.

A desvalorização da moeda e a reestrutura da dívida, após uma bem-sucedida troca de títulos do Tesouro, com grandes quitações de capital e vencimentos prorrogados a prazos manejáveis, deram lugar à recuperação do país a partir de 2003, quando assumiu a Presidência Néstor Kirchner, o líder do setor de centro-esquerda do Partido Justicialista (peronista) que faleceu no ano passado.

Desde então, a economia argentina cresce sem parar entre 7% e 10% ao ano, menos em 2009, quando foi de apenas 0,9% devido ao impacto da crise econômico-financeira nascida um ano antes nos Estados Unidos.

Este desempenho econômico e variados planos sociais adotados por Kirchner, primeiro, e desde 2007 por sua sucessora e esposa, Cristina Fernández, reduziram os indicadores de pobreza e desemprego a níveis abaixo dos 10%.

A socióloga Giarraca explicou à IPS que a Argentina “está melhor”, porque houve “um manejo correto das variáveis econômicas” favorecidas pela alta dos preços internacionais de matérias-primas, que são as principais exportações do país. Por outro lado, segundo sua análise, no plano político não houve o progresso desejado. “A saturação contra os políticos, que se expressa nas ruas sob o lema ‘que saiam todos’, pretendia uma renovação que não foi obtida”, esclareceu.

Apesar da atual estabilidade – muitos jovens aderem à militância política e a satisfação é majoritária, como ficou demonstrado na reeleição da presidente Fernández, com 54% dos votos –, as demandas por democracia direta e maior participação continuam ao largo, ressaltou a socióloga.

Entretanto, essa rebelião subsiste, segundo Giarraca, e se expressa em assembleias de moradores de províncias do interior do país, que reclamam contra a instalação de indústrias extrativistas que contaminam o meio ambiente sem deixar nenhum benefício à população.

Em países industrializados, a crise derivada de um endividamento insustentável está sendo atacada pela direção política e econômica com um aprofundamento das reduções fiscais e de benefícios sociais, o que deriva em crescente mal-estar social.

Movimentos como o dos “indignados” ou 15 de Maio (15M), nascido na Espanha e que se espalhou pelo resto da Europa, ou o Ocupe, nos Estados Unidos e no Canadá, evocam os dias trágicos dos protestos de rua na Argentina, que também reconheciam uma convocação espontânea, fora de qualquer organização política ou social. “Há algo dessa saturação que vivemos em 2001 que hoje se expressa na Europa. Os Estados de bem-estar dos anos 1970 foram desaparecendo e a cultura do capitalismo neoliberal impregnou todos os aspectos da vida”, disse a especialista.

Neste sentido, também se manifestou o economista Julio Gambina, presidente da Fundação de Pesquisas Sociais e Políticas, que integra o Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais e da organização Attac Argentina.

Para Gambina, a crise de 2001 “é um espelho no qual a Europa deve se mirar. A Argentina chegou àquela situação explosiva pelas políticas de liberalização, privatização e ajuste que hoje recomendam FMI e Banco Central Europeu”. Segundo o economista, a crise foi contornada neste país “mediante um relançamento do capitalismo” em duas instâncias: a suspensão de pagamentos da dívida, por um lado, e a desvalorização da moeda, que permitiu que as exportações ganhassem competitividade.

“O capitalismo na Argentina recompôs sua capacidade de funcionamento e de acúmulo de ganhos, e os indicadores sociais melhoraram, embora sem alcançar os níveis das décadas de 1960 e 1970, anteriores à implantação de políticas neoliberais” ou ao capitalismo selvagem, disse à IPS.

Este esquema de superação da crise, recomendado para a Europa por economistas como Joseph Stiglitz, ex-diretor do Banco Mundial e ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 2001, “é um modelo não tão fácil de imitar”, segundo Gambina, e não só pelas restrições que o euro impõe como moeda única de muitos países europeus.

“Não é tão simples, porque, ainda que fosse possível voltar às moedas nacionais e desvalorizá-las, países como Grécia ou Espanha não têm a diversidade de recursos naturais para exportar que a América Latina possui”, destacou Gambina. Para ele, a Europa deveria olhar o processo que está fazendo nossa região, que em nível político procura se liberar da hegemonia dos Estados Unidos com suas novas instâncias de integração sem incluir esse país e o Canadá, como é a Comunidade de Estados Latino-Americanos Caribenhos, criada este mês.

“A Europa teria que pensar a forma de se reconstruir sem a hegemonia de Alemanha e França”, que estariam, segundo Gambina, conduzindo essa região a um aprofundamento do ajuste social e do mal-estar de crescentes setores da população. Envolverde/IPS