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Travestis e transexuais a caminho do nome próprio

Buenos Aires, Argentina, 22/12/2011 – Os direitos de travestis e transexuais na Argentina, que estavam entre as minorias sexuais mais marginalizadas, se consolidam cada vez mais graças à aprovação, há um ano e meio, do casamento entre pessoas do mesmo sexo. “O casamento igualitário ajudou muito a nos dar visibilidade e portas começaram a abrir”, disse à IPS a travesti Valeria Ramírez, encarregada desse setor na Fundação Buenos Aires Aids.

Os travestis são tradicionais vítimas de intolerância, agressividade, humilhação e marginalização, segundo o livro “A Gesta do Nome Próprio”, publicado em 2005. Ali se revela que a primeira causa de morte deste grupo é a aids, e a segunda o assassinato.

A lei que permitiu o casamento de pessoas do mesmo sexo foi aprovada em julho de 2010, após longa campanha da Federação Argentina de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais pela ampliação de seus direitos. A lei é a primeira que vigora em todo um país da América Latina e desde então se casaram cerca de 2.700 casais, a maioria já unida de fato e agora com os mesmos direitos e obrigações de um casal heterossexual.

Entretanto, os travestis e transexuais também querem uma lei de identidade de gênero que lhes permita adequar seus documentos incorporando o nome e o sexo da identidade de gênero modificados e não os que tinham ao nascer. A discordância vigente entre documento e identidade limita muito estes grupos, impedindo o acesso a educação formal, emprego, moradia e assistência à saúde, a menos que ocultem sua identidade.

Atualmente, a única maneira de chegar à adequação é por meio de um longo trâmite judicial e burocrático que exige perícias médicas e psiquiátricas, e que nem sempre apresentam a resposta esperada. A Câmara de Deputados aprovou este mês esse projeto, que agora deve ser examinado pelo Senado. “Para nós, ter o nome no documento é um grande passo, porque, do contrário, sofremos humilhações”, disse Ramírez.

A dirigente revelou que uma vez estava na sala de espera do dentista e foi chamada pelo seu nome masculino, Oscar Ramírez. Ela se levantou e o dentista disse que não era ela, que ele estava chamando Oscar. “Quando temos de viajar, parecemos criminosos. Olham o documento ou o passaporte e nos fazem esperar. Finalmente, embarcamos, mas todo mundo nos olha como se fôssemos terroristas”, contou.

De todo modo, enquanto esperam a sanção da lei, estas minorias já vivem em clima de maior aceitação e menos marginalidade fomentado a partir do Estado, e que se expressa em vários setores. No ambiente artístico, a atriz travesti de teatro e televisão conhecida como Florencia de la V se casou com o homem com o qual vivia e tiveram gêmeos mediante um trâmite de maternidade sub-rogada realizado nos Estados Unidos.

Também em 2010, graças a uma histórica sentença judicial, obteve seu novo documento no qual consta que seu sexo é feminino e que deixa de se chamar legalmente Roberto Carlos Trinidad passando a ser Florencia Trinidad. Uma entidade de artistas realizou este mês a terceira edição do Encontro de Arte Trans-Festival DesTravArte, com trabalhos de artistas transexuais, travestis e transgêneros em cinema, teatro, dança, poesia e literatura.

O objetivo desta edição foi apoiar a lei de identidade de gênero. Os organizadores alertaram que, embora haja maior inclusão desde a aprovação do casamento homossexual, ainda restam muitos travestis marginalizados. Na televisão, o canal Encuentro, do Ministério da Educação, apresenta o programa “Salida de Emergencia”, em que representantes de minorias sexuais de todo o país contam sua experiência, às vezes traumática, de integração social.

Nesta linha, a estatal Universidade de Buenos Aires (UBA) aprovou este mês uma norma pela qual se obriga a superar a divergência entre o sexo documentado e a identidade nova de alunos, professores e não docentes trans. Esta medida já havia sido tomada pela também estatal Universidade Nacional de Córdoba. O movimento de cooperativas apoiadas pelo Ministério de Desenvolvimento Social, por seu lado, incentivou a organização de grupos de travestis para que se capacitem e trabalhem nos setores têxtil, de alimentação e desenho.

O Ministério da Segurança, dirigido por Nilda Garré, divulgou também este mês uma resolução permitindo que travestis e transexuais que integram a Polícia Federal e outras forças de segurança se vistam de acordo com sua identidade de gênero. A resolução foi aprovada graças ao trabalho de um travesti, Angie Beatriz Álvarez, integrante da Polícia Federal há mais de uma década e que exigia o direito de usar o uniforme feminino. A resolução atinge detentos, que poderão ser alojados em celas segundo sua identidade de gênero.

Ainda este mês, se deu visibilidade a este coletivo ao ser inaugurado o Arquivo de Memória da Diversidade Sexual, com testemunhos de mais de 35 vítimas da última ditadura (1976-1983), reprimidas brutalmente apenas por serem lésbicas, gays ou travestis. A abertura foi no prédio da antiga Escola de Mecânica da Marinha (Esma), que na ditadura funcionou como centro clandestino de detenção e que foi transformado no Instituto Espaço para a Memória.

Ramírez foi uma das que deu seu testemunho. Contou que em 1976 e 1977 foi sequestrada na rua quando exercia a prostituição vestida de mulher, sendo levada para Poço de Banfield, outra prisão ilegal, onde foi torturada e violentada. “Declarei na secretaria de Direitos Humanos e no ano que vem serei querelante, porque revivi tudo e cada vez que estou no escuro vejo esses rostos e não posso esquecer”, contou à IPS. A ativista disse que o Estado lhe dará uma reparação econômica como faz com todas as vítimas da ditadura e seus familiares, mas adiantou que para receber quer fazê-lo com seu documento novo, constando seu nome de mulher. Envolverde/IPS