Lisboa, Portugal, 2/1/2012 – Acossado pela crise econômica que não dá sinais de trégua e por dirigentes partidários próprios e alheios, o conservador primeiro-ministro de Portugal, Pedro Passos Coelho, enviou uma mensagem sem precedentes para seus concidadãos: emigrem. Uma onda de indignação se levantou em todo o país desde que, no dia 18 de dezembro, diante do crescente desemprego que afeta de maneira muito dura os jovens e o setor da educação, Coelho sugeriu aos professores que, como alternativa, se radiquem em países de língua portuguesa, especialmente Brasil e Angola.
No dia seguinte, vários ministros aplaudiram as declarações do governante ao afirmarem que é uma solução válida, começando pelos professores. Entretanto, essa sugestão foi respondida pelos governos do Brasil e de Angola, os quais afirmaram não terem necessidades imediatas nessa área. Pesquisas mostram que os jovens entre 25 e 34 anos são os que mais desejam emigrar, e destes mais da metade são mulheres.
João Peixoto, pesquisador do Instituto Superior de Economia e Gestão (Iseg), disse ao jornal Público, de Lisboa, que, na verdade, para emigrar, “não basta estarmos mal aqui, também é necessário ter para onde ir”. Para uma pessoa, a decisão de deixar seu país “não é fácil, é pesada e dolorosa, e um dirigente político dizer que as pessoas devem emigrar não significa que isso acontecerá”, alertou Peixoto, que qualificou a mensagem do primeiro-ministro de “declarações nada comuns em um governante”.
Uma das críticas de Coelho foi Ana Maria Gomes, deputada no Parlamento Europeu. Ao ouvir essas declarações “senti uma grande raiva, porque é a última coisa que um primeiro-ministro pode dizer”, afirmou à IPS. “Pior do que a impotência é a renúncia, porque, por mais complicada que seja a situação, deve-se e pode-se seguir em frente, já que contamos com uma juventude qualificada, que é o resultado do investimento na educação feito nas últimas décadas”, afirmou Ana Maria, que está entre os dirigentes mais destacados da chamada ala esquerda do Partido Socialista.
Da biografia desta embaixadora de carreira, atualmente em licença na chancelaria para exercer seu cargo, se destaca sua defesa da independência de Timor Leste. Também integrou a comissão do Parlamento Europeu que investigou os voos ilegais da Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos transportando prisioneiros do Afeganistão e Iraque para a base norte-americana de Guantânamo, em Cuba.
Coelho governa aceitando todas as imposições da troika de credores do país, composta pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), União Europeia (UE) e Banco Central Europeu (BCE), e da chefe do governo alemão, Angela Merkel, “sem tentar negociar nada em benefício dos portugueses”, acusou Ana Maria. A seu ver, o governo conservador “deixou de lado o desenvolvimento de uma estratégia de crescimento econômico e de criação de emprego, centrando tudo na austeridade financeira”, com o objetivo de pagar a dívida de US$ 110 bilhões assumida com a troika.
“No entanto, sem crescimento econômico e sem empregos, não se conseguirá pagar esta dívida”, afirmou a deputada. Ana Maria explicou que “a estratégia da direita é justamente convencer as pessoas de que não é possível encontrar soluções e que é preciso se resignar a abandonar o que um secretário de Estado designou como zona confortável”.
Fernando Gomes, presidente do Conselho de Comunidades Portuguesas, órgão independente e consultivo do governo para a emigração, fustigou a mensagem de Coelho, porque ela “converte em bastante vergonhosa a imagem política do país em nível internacional”.
O certo é que os números da emigração não param de crescer, embora não exista uma contabilidade certeira, já que no espaço da UE não existe obrigatoriedade legal de registrar os fluxos de cidadãos de um país para outro do bloco. Cerca de 120 mil portugueses se radicaram fora do país em 2011, confirmando a “tendência crescente dos últimos anos”, afirmou na semana passada o vice-chanceler para as Comunidades, José Cesário.
O fluxo mais significativo é para o Brasil, que para os portugueses é uma constante migratória secular, que não se deteve nem mesmo com a independência brasileira em 1822 e reconhecida por Lisboa em 1825. Segundo a Secretária Nacional de Justiça do Brasil, os pedidos de residência permanente de portugueses passaram de 276.703 para 328.856 entre dezembro de 2010 e junho de 2011, e também foram concedidos vistos para trabalhos temporários, estudos e pesquisas. Por outro lado, segundo dados disponíveis de 2010, Angola registrou 91.900 portugueses que fixaram residência nessa que foi a maior colônia de Portugal na África.
O sociólogo Manuel Vilaverde Cabral, ex-vice-reitor da Universidade de Lisboa, afirmou que o modesto desenvolvimento de Portugal se deve historicamente a que, primeiro vivia do império, depois das remessas dos emigrantes e mais tarde dos fundos enviados pela UE. Portugal foi um país de emigrantes desde o Século 15, fato que acabou condicionando sua história. Até o Século 16, a emigração se dirigiu principalmente para a costa do norte da África, às possessões insulares atlânticas de Açores, Madeira, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e às então portuguesas Ilhas Canárias.
Depois da descoberta da rota marítima para a Índia, em 1498, a emigração se expandiu pelo Oriente, mantendo-se muito ativa até o final do Século 18, quando os fluxos começaram a se dirigir maciçamente para o então quase esquecido Brasil. Já na época moderna, a emigração de portugueses chegou a 1,5 milhão entre 1960 e 1974, caindo para 230 mil entre 1974 e 1988.
Os governantes portugueses “estão se convertendo em chacota pública, começando pelo primeiro-ministro, ao sugerir a emigração como forma de enfrentar a crise”, afirmou um editorial publicado no dia 20 de dezembro pelo jornal Público. Se continuar a sangria de mão de obra qualificada, este país “será ainda mais miserável” e a “incrível mensagem oficial deixa no ar a imagem de que Portugal não vale a pena”, conclui o artigo. Envolverde/IPS