Nairóbi, Quênia, 4/1/2012 – A aguda falta de água no Quênia obriga muitos habitantes a caminharem longas distâncias diariamente para consegui-la. No entanto, graças a uma série de projetos locais apoiados por organizações não governamentais, várias comunidades estão encontrando soluções. Tanto no âmbito rural quanto no urbano, muitos quenianos são obrigados a caminhar 30 quilômetros ou mais para pegar água de rios ou poços. Mais de 80% dos 40 milhões de habitantes deste país do Chifre da África não têm acesso direto a água potável, segundo a Organização Mundial da Água.
Os que vivem nas secas regiões norte e leste, bem como no Vale do Rift, passam dias sem água para uso doméstico e para o gado, principal sustentação econômica do país. Os enfrentamentos nos pontos onde há água são comuns, e as mulheres que têm de sair a altas horas para pegá-la correm risco de serem violadas. A carência deste recurso “está associada à alta taxa de mortalidade entre menores de cinco anos, principalmente devido às doenças transmitidas pela água, como diarreia, malária e disenteria amebiana”, explicou à IPS o médico Joram Mwangi, do hospital Moi de Ensino e Derivação, da cidade de Eldoret.
A maioria dos quenianos deve administrar o pouco de água que têm para cozinhar e se lavar. “Tomar banho e cozinhar é um problema. Às vezes, ficamos até três dias sem nos lavarmos, porque a água é muito cara. Na verdade, mais cara do que a comida”, disse à IPS Gaudensia Achieng, de Kondele, nos arredores da cidade de Kisumu e perto do Lago Vitória, paradoxalmente, o segundo maior lago de água doce do mundo.
O Ministério de Água e Irrigação transferiu a administração e a operação dos serviços para as Juntas de Serviços de Água em 2005. O governo foi culpado pelo fracasso do sistema. “O governo deveria coletar água de chuva, que se desperdiça durante a temporada de precipitações, e usá-la para fins domésticos e agrícolas”, disse à IPS o professor de Conservação Ambiental, Martin Keya, da Universidade Jomo Kenyatta de Agricultura e Tecnologia.
“Também deveria conservar suas torres de água, que sofrem erosão diária, e desestimular a subdivisão da terra, que afeta o solo e faz com que a população mude para a floresta”, acrescentou Keya. Segundo o professor, o governo deveria capacitar os povos nômades em práticas de irrigação, dar-lhes insumos agrícolas como fertilizantes e sementes, e trabalhar com organizações não governamentais, comunidades e cooperativas para cavar poços em todo o país.
Graças à intervenção da organização ActionAid, toda uma divisão do Vale do Rift tem água, e agora seus habitantes podem se dedicar à agricultura. A felicidade está estampada no rosto de Loice Kitilil, uma das moradoras da divisão Tangulbei. Ficaram para trás os dias em que precisava caminhar até 20 quilômetros em busca de água, carregando o filho nas costas. Cansada das duras condições de vida na divisão, Kitilil uniu-se a outras 27 mulheres e 22 homens para criar o programa comunitário Kadokoi, em 2009.
As divisões e os distritos são unidades administrativas do Quênia. Tangulbei é uma zona seca do Vale do Rift, a 350 quilômetros de Nairóbi. A divisão tem 40 mil habitantes. Uma seca na região matou várias pessoas e animais. Os moradores são nômades que dependem do gado para sua subsistência. Às mulheres não é permitido ter propriedades e devem ficar em casa criando os filhos e fazendo trabalhos domésticos. Neste contexto, o grupo comunitário de Tangulbei decidiu, por meio de seu comitê, presidido por Philemon Akwija, pedir ajuda à ActionAid.
A organização respondeu cavando um poço e fornecendo um tanque de água e painéis solares, enquanto os membros do grupo entraram com pedras e areia para a construção. Finalmente, mais de três mil famílias puderam receber água potável. “Foi como um milagre. Não podia acreditar que só precisava caminhar 20 metros para conseguir água, em lugar dos 20 quilômetros que percorria antes”, disse Julia Montii, diretora do grupo.
E os “milagres” não acabam por aí. No começo de 2011 funcionários da Sistemas Agrícolas do Quênia, uma organização local especializada em agricultura, chegou com outras boas notícias. Informaram ao grupo que a água poderia ser utilizada em sistemas de irrigação. “Não sabíamos nada de agricultura, mas os funcionários da ActionAid e da Sistemas Agrícolas nos ensinaram o básico e disseram para adotarmos um sistema de irrigação por gotejamento, que, segundo eles, era ideal para nossa região”, contou à IPS o vice-presidente do grupo, William Akeno.
“Então, coletamos dinheiro para alugar um trator a fim de cultivar um hectare perto do poço”, acrescentou Akeno. O grupo recebeu sementes do governo e agora produz cebola e tomate. “Começamos a colher nossos plantios no mês passado. Somos os únicos fornecedores de cebola e tomate de toda a divisão. Ganhamos, em média, 700 chelines (US$ 8,25) por dia. Às vezes vendemos e às vezes damos gratuitamente os vegetais aos nossos membros”, disse Montii.
Esther Orot, integrante do grupo, agora é uma mulher feliz. “Minha família costumava passar fome durante dias pela falta de verduras. Tínhamos que pedir ao motorista de um “matatu” (micro-ônibus) que nos comprasse verduras em Marigat, a 80 quilômetros de distância. Às vezes, os passageiros não voltavam, ou voltavam dizendo que não encontraram verduras e que perderam o dinheiro”, contou à IPS.
Durante sua visita ao local do projeto, o conselheiro internacional da ActionAid para Emergências e Conflitos na África Oriental, Central e Austral, Geoffrey Okoth, elogiou os resultados. “É um modelo de sucesso que podemos aplicar em toda a região para fortalecer a capacidade das comunidades contra desastres como a fome. Se plantando um hectare é possível colher isto, então significa que com bons métodos agrícolas pode-se obter mais”, disse à IPS. Envolverde/IPS