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Militares amordaçam a sociedade civil

Enfrentamentos entre policiais e manifestantes que levaram à queda do regime de Hosni Mubarak. Foto: Mohammed Omer/IPS

Cairo, Egito, 9/1/2012 – As últimas blitze em escritórios de organizações da sociedade civil no Cairo, acusadas de receberem dinheiro não autorizado do exterior, são parte de uma ampla campanha dos militares para silenciar seus críticos, segundo denúncias de ativistas pelos direitos humanos. “O objetivo desta campanha está claro para todos: nos amordaçar para não denunciarmos as violações e as práticas opressivas que ainda são cometidas”, afirmou, em uma declaração, a Rede Árabe para os Direitos Humanos.

As forças de segurança invadiram os escritórios de pelo menos seis grupos na semana passada. A operação foi dirigida especialmente contra o Centro Árabe para a Independência do Sistema Judicial e da Profissão Legal e também contra o Observatório Orçamentário e de Direitos Humanos. Estas organizações não governamentais (ONGs), com sede no Cairo, reuniam evidências sobre abusos dos direitos humanos e casos de corrupção cometidos pelos militares, responsáveis pelo governo de transição.

Os militares também confiscaram celulares, notebooks e documentos dos escritórios da fundação política alemã Konrad-Adenauer Stiftung e de três organizações com sede central nos Estados Unidos: Instituto Nacional Democrático, Instituto Republicano Internacional e Freedom House. Estes grupos acompanhavam as eleições parlamentares egípcias, das quais já foram realizados dois turnos, faltando um.

O presidente da Freedom House, David Kramer, afirmou que as blitze são “um agravamento da repressão desconhecida inclusive durante o regime de Hosni Mubarak”, derrubado no ano passado. Kramer acusou o Conselho Supremo das Forças Armadas, que assumiu o controle do país em fevereiro de 2011, de “tentar usar a sociedade civil como bode expiatório por seu próprio fracasso abismal no manejo da transição”.

Ativistas que participaram da revolução há 11 meses dizem que os governantes militares perpetuaram, e em alguns casos excederam, as táticas repressivas que foram empregadas por Mubarak durante seu regime de 30 anos. Acusam o Conselho Supremo de reprimir brutalmente manifestações pacíficas, processar seus críticos em injustos tribunais militares e ampliar o alcance das leis de emergência adotadas na era Mubarak.

Os generais também são acusados de maltratar as mulheres durante os protestos. Policiais militares foram filmados batendo ferozmente em mulheres nas ruas, enquanto um tribunal ordenou ao exército o fim dos humilhantes “exames de virgindade” das detidas. “Durante a revolução, os militares atacavam todos os que saíam às ruas para protestar contra o regime”, recordou o advogado e ativista pelos direitos humanos Negad El-Borai.

As blitze da semana passada fizeram parte de uma campanha contra as ONGs que trabalham na defesa da democracia e dos direitos humanos, afirmou El-Borai. Foram realizadas depois que funcionários do governo acusaram vários grupos da sociedade civil de receberem fundos não autorizados de entidades estrangeiras com o objetivo de desestabilizar o país, esclareceu.

O Conselho Supremo chegou, inclusive, a afirmar que a violência nas ruas do Cairo, durante e após o levante de 18 dias em fevereiro do ano passado, foi incitado por meio das ONGs. No mês passado, o ministro da Justiça, Abel Abdel Hamid, anunciou que uma investigação judicial descobriu que mais de 300 ONGs receberam dinheiro do exterior nos últimos anos, algumas sem permissão para operar no Egito.

Leis aprovadas em 2002 exigem que todos os grupos da sociedade civil tenham permissão do Estado para receber dinheiro do exterior. O governo endureceu os procedimentos de registro das ONGs em 2006, e adotou uma lei em 2010 que restringiu ainda mais suas atividades e deu ao aparelho de segurança estatal a última palavra sobre a questão dos fundos.

“O Egito não se opõe ao financiamento externo das ONGs enquanto forem cumpridas as leis locais e internacionais. Porém, os fundos devem ser para o desenvolvimento, sem fins políticos”, declarou em novembro do ano passado o ministro de Planejamento e Cooperação Internacional, Fayza Aboul Naga. Designado por Mubarak e que sobreviveu a quatro mudanças no gabinete feitas desde fevereiro de 2011, Naga acusou o governo dos Estados Unidos de financiar diretamente 12 ONGs norte-americanas e 12 egípcias que operavam sem autorização.

Washington reconheceu isso. Em junho, sua embaixadora no Cairo, Anne Patterson, disse que os Estados Unidos destinaram US$ 40 milhões à promoção da democracia no Egito desde o levante contra Mubarak, e que 600 ONGs locais haviam solicitado financiamento.

Para El-Borai, na realidade os militares não estão preocupados se as organizações recebem fundos do exterior, mas que estas questionem seu desempenho. “É muito claro que esta campanha é contra os grupos da sociedade civil que trabalham pela democracia, pela cidadania e por um Estado civil”, ressaltou à IPS. “Quando as forças de segurança realizaram as blitze, o fizeram contra estes grupos, e não contra as organizações que recebiam dinheiro dos países do Golfo”.

Segundo o jornal estatal Al-Akhbar, a organização Ansar Al-Sunnagh Al-Mohamedeya recebeu mais de US$ 50 milhões de instituições do Catar e do Kuwait desde a queda de Mubarak. O jornal afirma que o dinheiro foi usado para promover o movimento salafista (ramo integrista do Islã) no Egito. Envolverde/IPS