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Prisioneiros com dupla condenação

Dacar, Senegal, 10/1/2012 – Amadou* respira profundamente, limpa a garganta e se dirige à frente do salão. Então, se vira para observar vários rostos conhecidos em Camp Penal, a prisão de segurança máxima da capital senegalesa. Este é o último de um grupo de 150 presos com os quais Amadou conversou hoje. Está cansado, mas continua concentrado. “Conheço suas realidades”, começa, em seu idioma nativo wolof. “Dormi nos mesmos colchões que vocês, comi a mesma comida e me banhei nos mesmos banheiros. Hoje estou aqui para falar sobre a aids: o que é, como se contrai e como se prevenir”, afirmou.

Os prisioneiros o ouvem com atenção. Para a maioria deles, Amadou não é um estranho. Há menos de três anos esteve aqui, vivendo entre os cerca de 800 presos, cumprindo pena de dois meses. Amadou foi preso em dezembro de 2008, junto com outros oito homens, por supostamente “participar de atos homossexuais”, um crime sério neste país de maioria muçulmana. Foi condenado a oito anos de prisão, mas logo o caso tomou outro rumo, quando intervieram organizações internacionais de assistência. Atualmente, Amadou continua trabalhando como ativista gay contra a aids, ajudando a promover estratégias de redução de danos em todo país.

O Senegal tem uma das menores prevalências do vírus HIV, causador da aids, na África subsaariana, inferior a 1%. Mas o grupo mais vulnerável é o dos homens que praticam sexo com outros homens. Deles, quase 22% são HIV positivo. As prisões são ambientes de alto risco para a transmissão da doença, devido à prevalência de drogas pesadas, violência e relações sexuais sem proteção. Ali não há exames obrigatórios, e para os prisioneiros que, sabendo ou não, vivem com o HIV, as tensões de viver na prisão – que inclui celas lotadas, condições insalubres e má nutrição – significam que sua saúde está ainda mais comprometida.

Cyrille* é um detento HIV positivo de Camarões, que cumpre sentença de dois anos em Camp Penal por roubo. Soube que contraíra aids há seis anos, quando foi hospitalizado em razão de um coágulo em uma das pernas. Todos os meses vai ao Centro de Tratamento Ambulatorial em Dacar para receber medicamento antirretroviral, que é financiado pelo governo senegalês. Diz estar muito preocupado com sua saúde, porque sabe de três pacientes com aids que já morreram, e seu próprio médico lhe diz que precisa melhorar sua dieta.

Segundo Alassane Balde, chefe do pessoal médico de Camp Penal, tudo o que os detentos recebem são três refeições por dia, mas muitos preferem comer alimentos levados por familiares. No entanto, os estrangeiros que estão aqui sem suas famílias, como Cyrille, não podem ter esse luxo e acabam levando uma dieta invariável de pão, manteiga, arroz e pescado, com poucas frutas e verduras ou produtos lácteos.

Ao ser perguntado sobre a implementação de estratégias de redução de danos na prisão, ou mediante um programa de troca de seringas ou da distribuição de preservativos, Balde se mostrou completamente contra. Ele diz que os detentos não têm problemas com drogas e que um programa de entrega de preservativos simplesmente não seria tolerado. “Nossa religião não permite isso. Somos muçulmanos, e não gostamos de ver isso. Não há tolerância para este tipo de conduta. É um tema tabu, e nem mesmo falamos sobre ele”, afirmou Balde.

No entanto, Amadou destaca que esta é uma presunção perigosa, porque o sexo entre homens é uma realidade nas prisões, embora se continue fazendo vista grossa. “Admitam ou não, todos sabem que há relações sexuais entre homens nas prisões”, advertiu Amadou depois da palestra, em sua casa em Dacar. Desde sua prisão, que foi atentamente acompanhada pelos meios de comunicação, ele e seu companheiro, Cheikh*, foram obrigados a se mudar mais de sete vezes, depois que os senhores da terra descobriram suas identidades.

Brendan Hanlon é o diretor-executivo da Avert, uma organização de luta contra a aids, com sede na Grã-Bretanha. Ele afirma que há poucas dúvidas de que a prevalência do HIV seja maior entre os presos do que entre o restante da população. “Há uma carência de programas de prevenção do HIV, porque as autoridades temem que distribuir preservativos ou seringas incentive o uso de drogas ou a atividade sexual. Mas a verdade é que as pessoas farão estas coisas de qualquer maneira”, alertou Hanlon.

Um estudo feito com 500 detentos de uma prisão da Costa do Marfim concluiu que a prevalência era de 28%, isto é, o dobro da registrada entre a população em geral, acrescentou Hanlon. Na África do Sul, país com maior quantidade de pessoas vivendo com HIV (5,6 milhões), entre 40% e 45% dos prisioneiros são HIV positivos. Embora não haja estatísticas disponíveis para as prisões do Senegal, Hanlon acredita que nelas a proporção também seja maior.

Depois que Amadou termina sua palestra na prisão, pergunta se alguém tem perguntas. Poucos segundos depois, várias mãos se levantam. Todos querem saber se podem contrair compartilhando um chá, ou na barbearia, ou se podem transmitir o vírus ao seu filho, e até como saber se estão doentes. “Posso fazer eu mesmo um exame neste momento?”, pergunta abertamente um dos presos mais jovens. Outros concordam.

Amadou se mostra satisfeito. “Se os homens que praticam sexo com homens promovem este tipo de atividade preventiva para a saúde de toda a comunidade, devem ser incentivados. Este trabalho não é para nós mesmos, mas para todos. Contudo, quantos se atrevem a enviar essa mensagem? Porque é disto que realmente precisamos”, afirmou. Há previsão de que nos próximos meses comece um programa de exames voluntários em grande escala na prisão. Enquanto isso, Amadou e sua organização continuarão divulgando seus conhecimentos em outras prisões do país. Envolverde/IPS

* Nomes fictícios.

** Publicado sob acordo com o Street News Service.