Arquivo

Onda de imolações no Tibete

Pequim, China, 16/1/2012 – Agravaram-se as tensões no Tibete, após a morte, na semana passada, de um monge que se imolou com fogo em protesto contra o controle chinês sobre esta região semiautônoma. Foi o terceiro tibetano a se imolar este ano, e o 15º desde março de 2011. Nove desses 15 faleceram, sendo que duas eram monjas. Sonam Wangyal, monge de pouco mais de 40 anos, ateou fogo ao seu corpo no dia 8, na província de Qinghai, e foi dado como morto. Foi o primeiro incidente deste tipo em Qinghai, um sinal de que o fenômeno está se espalhando.

A maioria das imolações ocorreu na prefeitura de Aba, em Sichuan, onde fica um importante monastério tibetano que foi alvo de crescente repressão chinesa. Chamado pelos tibetanos de “Buda vivente”, Soman Wangyal foi o primeiro lama (mestre espiritual) a se imolar com fogo e o mais velho a morrer. Os que faleceram antes tinham pouco mais de 20 anos ou eram adolescentes.

No começo deste mês, dois tibetanos chamados Tsultrim e Tennyi, ambos de 20 anos, morreram depois de se imolarem no jardim de um hotel, no condado de Ngaba, província de Sichuan. Quando atearam fogo em seus corpos gritaram: “Sua santidade Dalai Lama deve regressar ao Tibete” e “que sua santidade o Dalai Lama viva por dez mil anos”. O suicídio não é bem visto pelo budismo tibetano, mas há uma tradição de autossacrífício em “benefício dos demais”, explicaram grupos da sociedade civil.

“A imolação do dia 8 foi a primeira realizada por um lama reencarnado. Este era um pouco mais velho, uma pessoa madura e figura estimada por sua comunidade. Seguramente, sabia o que este ato implicava para o budismo tibetano, e, no entanto, escolheu tirar a vida”, explicou à IPS a diretora da Campanha Internacional para o Tibete (ICT), Kate Saunders.

A Rádio Free Asia informou que o monge, antes de se imolar, distribuiu panfletos explicando que agia “não por glória pessoal, mas pelo Tibete e pela felicidade dos tibetanos”. Bebeu e se banhou em querosene antes de se atear fogo. “Seu corpo explodiu em pedaços e os restos foram recuperados pela polícia”, segundo a emissora.

De acordo com o governo tibetano exilado em Dharmasala, na Índia, milhares de pessoas no Tibete fizeram uma vigília pedindo a entrega do corpo depois que foi confiscado pela polícia. “Devido à sua posição como líder espiritual local, cerca de dois mil tibetanos teriam feito uma vigília com velas para que as autoridades policiais locais liberassem seu corpo”, informou em uma declaração o governo no exílio.

A agência de notícias estatal chinesa Xinhua desde então informou que o cadáver foi entregue aos familiares. “Na tarde do dia 9, muitos policiais se apresentaram na localidade, com armas de fogo, cassetetes e escudos. Os policiais dispersaram os manifestantes e não permitiram que as pessoas fizessem um velório no templo”, escreveu em seu blog o ativista tibetano Tsering Woeser.

Na semana passada, houve sinais de instabilidade em incidentes separados, quando um homem foi abatido pela polícia, o que desatou fortes protestos na província de Gansu, localizada no noroeste da China. A agência Xinhua informou que o homem, Gurgo Tsering, foi assassinado “acidentalmente” pela polícia depois de supostamente ter roubado uma obra em construção. Porém, a ICT citou fontes locais, assinalando que o tibetano morreu depois que a polícia disparou contra as janelas da casa de um amigo dele. Segundo a Rádio Free Asia, tibetanos em seguida atacaram a delegacia de polícia local, sendo repelidos com gás lacrimogêneo.

As imolações e os protestos ocorrem em um momento de crescente tensão entre os governos e os povos do Tibete e da China. Desde os protestos de 2008, ano das Olimpíadas de Pequim, o Partido Comunista chinês exerce severo controle sobre os tibetanos, que consideram como seu legítimo líder o exilado Dalai Lama. O governo chinês acusou o Dalai Lama de incitar as tensões, e afirmou que as imolações são “terrorismo disfarçado”.

Poucas horas após Wangyal ter se imolado, a agência Xinhua informou que altos funcionários “prometeram acelerar os esforços para fortalecer a administração dos monastérios na luta contra o grupo do Dalai Lama”. Os funcionários devem “promover a educação patriota e legal entre monges e monjas e dissuadi-los de serem atraídos por forças separatistas”, afirmou. A Xinhua também informou que Sonam Wangyal se suicidou depois de ser descoberta sua relação amorosa secreta com uma mulher.

“Os chineses nunca souberam como lidar com os tibetanos nos últimos 60 anos”, disse à IPS o analista Claude Arpi, autor do livro The Fate of Tibet: When Big Insects Eat Small Insects (O destino do Tibete: quando os grandes insetos comem os pequenos). “Hoje, a liderança coletiva em Pequim acredita que quanto mais flexível seu controle pior se tornará a situação”, acrescentou. Envolverde/IPS