Kolkata, Índia, 17/1/2012 – Nesta oriental cidade indiana, um turista que acabava de regressar de suas férias nas Ilhas Andamão, no Oceano Índico, se vangloriava de ter atirado bananas para membros da tribo jarawa, bem como de tê-los fotografado em segredo quando seu automóvel atravessava a selva. Isto aconteceu dias depois que um grupo de jornalistas londrinos publicou um vídeo de mulheres dessa tribo em extinção, nuas da cintura para cima, dançando diante de turistas, incentivadas por operadores de turismo.
Os visitantes dizem que é comum avistar jarawas na Andamão Trunk Road (ATR, estrada principal de Andamão), tirar fotos e fazer com que atuem. Esta é uma atração que os operadores turísticos oferecem nas Ilhas Andamão, na baía de Bengala. Muitos visitantes voltam do passeio ostentando, como se fosse um troféu, alguma foto ou algum filme da tribo. “Às vezes, os motoristas locais fazem protestos leves. Contudo, os indígenas dançam para os turistas, que jogam alimentos para eles de dentro dos automóveis”, disse Rajkumar, um turista de Kolkata.
Além dos jarawas – que são os mais ameaçados -, em Andamão vivem tribos primitivas como os onges, os sentineleses, os grã-andamaneses, os shompens e os nicobareses. Os ancestrais dos jarawas e das outras etnias das Ilhas Andamão teriam sido parte das primeiras emigrações de sucesso vindas da África, segundo a organização não governamental Survival International, que já havia denunciado a vulnerabilidade dos indígenas nas mãos de uma rede de policiais e operadores de turismo corruptos.
A entidade diz que os jarawas caçam com arco e flecha, colhem sementes, frutos silvestres e mel. São nômades e vivem em grupos de 40 a 50 pessoas. Por volta de 1998, alguns deles começaram a sair de suas florestas para visitar povoados e assentamentos próximos, pela primeira vez. Segundo diversas organizações não governamentais, a principal ameaça para os jarawas é a invasão de suas terras, que disparou nos anos 1970 com a construção da ATR, que atravessa suas florestas. Isto os expôs a doenças e à caça ilegal.
O controvertido vídeo publicado no site dos jornais The Observer e The Guardian foi obtido pelo jornalista britânico Gethin Chamerlain. “Está circulando entre os operadores turísticos. Me disseram que foi filmado nos últimos anos, mas não temos uma data exata”, disse à IPS. A história gerou indignação nacional e provocou críticas de ativistas e antropólogos. O governo ordenou uma investigação e prometeu tomar medidas a respeito.
“Isto é absolutamente vergonhoso. Estou viajando para lá a fim de comprovar a situação”, disse à IPS o ministro de Assuntos Tribais da Índia, V. Kishore Chandra Deo, de Nova Délhi. Os ativistas pelos direitos indígenas criticaram as autoridades de Andamão, que tentaram fazer crer que o vídeo teria sido feito em 2002, embora o próprio arquivo indique o contrário.
“A tribo está muito ameaçada e pelo menos algumas pessoas deveriam ser condenadas por desacato ao tribunal, considerando que a Suprema Corte da Índia, já em 2002, ordenou que a ATR fosse fechada para os turistas”, disse Shekhar Singh, a quem o tribunal designou, há dez anos, para chefiar uma comissão destinada a recomendar medidas de proteção da tribo.
“Os 403 jarawas não estão ao lado da estrada. Uns 20 ou 30 circulam. E são suscetíveis ao contágio de nossas doenças. Assim, a estrada deve ser fechada”, disse Singh à IPS. “Apresentamos 46 recomendações, incluindo o fechamento da ATR, mas quase nenhuma foi implantada. Os jarawas estão expostos a doenças como o sarampo, e deveriam ter acesso a assistência médica em lugar de fazê-los atuar como animais diante dos visitantes”, afirmou.
Para Singh, é importante conhecer seu idioma e depois dar-lhes opção para seu bem-estar, permitindo que escolham em lugar de aceitarem soluções impostas. “Uma mãe jarawa deveria decidir se seu filho será tratado com ervas ou levado para um hospital moderno”, afirmou.
Segundo a Survival International, “a estrada leva colonos, caçadores ilegais e cortadores de árvores ao coração de sua terra. Esta invasão apresenta o risco de expor os jarawas a doenças contra as quais não têm imunidade, e criar uma dependência em relação aos de fora. Os caçadores ilegais roubam os animais dos quais os jarawas dependem, e há informes sobre exploração sexual das mulheres” da comunidade, afirmou a organização.
Samir Acharya, da Sociedade de Ecologia de Andamão e Nicobar, considera que a polêmica estrada não seja realmente a ajuda para que os agricultores transportem seus produtos que as autoridades proclamam. “O principal uso da estrada cabe aos turistas e funcionários do governo. Os agricultores utilizam barcos e preferem hidrovias”, disse Acharya, que vive em Port Blair, capital das ilhas Andamão e Nicobar.
“É difícil manter os turistas longe da tribo se a estrada está aberta. Assim, é melhor fechá-la aos turistas, cumprindo a determinação de 2002 da Suprema Corte”, acrescentou, ressaltando que se atentou contra o estilo de vida dos jarawas e que a sociedade dominante praticamente os obriga a mudá-lo.
Segundo Acharya, “eles vivem aqui há cerca de 60 mil anos, e vimos em experimentos que o jarawa médio está muito mais adaptado do que um policial médio. O metabolismo de um jarawa é diferente do nosso, e seu corpo é feito para uma vida dura. A invasão de nosso mundo os prejudica”. Eles estão contraindo malária e outras doenças devido ao seu contato com os turistas, acrescentou.
Acarata disse que “os fazemos usar roupas, mas não conseguimos ensinar-lhes que também deveriam lavá-las. Roubamos seu conhecimento tradicional, mas simplesmente não sabemos com lidar com eles. O mínimo seria deixá-los em seu território de 700 quilômetros quadrados”. Envolverde/IPS