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Islâmicos não mexerão (muito) em Camp David

Setembro de 1978: o primeiro-ministro israelense Menachem Begin e os presidentes Jimmy Carter, dos Estados Unidos, e Anwar el-Sadat, do Egito, assinam o acordo de Camp David. Foto: Domínio Público

Cairo, Egito, 20/1/2012 – O triunfo esmagador dos partidos islâmicos nas eleições parlamentares do Egito despertaram, em alguns setores, o medo de uma iminente mudança de modelo na política externa deste país do norte da África. Porém, a maioria dos analistas descarta a possibilidade de qualquer mudança de rumo, principalmente em temas delicados como Palestina ou o acordo de paz de Camp David entre Egito e Israel.

“Um parlamento liderado por islâmicos tem poucas probabilidades de fazer grandes reajustes em política externa, especialmente na questão Palestina-Israel”, disse à IPS o analisa político Gamal Fahmi, editor-gerente do semanário de oposição egípcio Al-Arabi Al-Nassiri. Define-se como “islâmicos” grupos ou movimentos que têm como objetivo essencial aplicar na vida pública e política de um país os preceitos religiosos do Islã.

As primeiras eleições após a queda, em fevereiro passado, do regime de Hosni Mubarak (o terceiro turno terminou na semana passada) consolidaram o domínio muçulmano do Egito no próximo parlamento. Segundo os resultados preliminares, o Partido Liberdade e Justiça (FJP), da Irmandade Muçulmana, e o Partido Nour, do ramo salafista (integrista) do Islã controlarão mais de 65% da assembleia, o que lhes garante uma influência sem rival no ambiente legislativo.

Quando começaram as eleições egípcias, no final de novembro do ano passado, o ministro da Defesa Civil de Israel, Matan Vilnai, alertou que poderiam derivar em “uma grave erosão do acordo” de Camp David. Assinado em 1978, este tratado de paz estabeleceu a devolução da Península do Sinai (ocupada por Israel desde 1967) ao Egito em troca do reconhecimento do Estado judeu por parte do Cairo. A Jordânia, que assinou seu próprio acordo de paz em 1994, é o único outro país árabe que mantém relações com Israel.

Entretanto, os contínuos abusos israelenses contra a população palestina e a indignação que gerou em parte do público egípcio, fizeram com que a paz instituída pelo acordo de Camp David não fosse mais do que fraca. Críticos egípcios do tratado também se queixam de que restringe severamente os deslocamentos militares egípcios no Sinai, o que impede o Cairo de supervisionar e, se necessário, proteger a estratégica península.

Como sinal da sensibilidade do tema, um dos primeiros anúncios do governo militar de transição foi destacar seu “compromisso com todos os tratados e todas convenções internacionais que o Egito assinou”, em uma óbvia referência a Camp David. Apesar de sua histórica oposição à política israelense, a Irmandade Muçulmana insiste em respeitar o acordo, embora não descarte a possibilidade de determinados parágrafos serem eventualmente emendados.

“A Irmandade e o FJP estão comprometidos em respeitar todos os acordos internacionais assinados pelo Egito”, declarou à IPS o vice-presidente do FJP, Essam al-Arian. “Quanto a Camp David, em particular, qualquer futura decisão de emendar o tratado será submetida a um referendo popular”, assegurou. Pesquisa da consultoria Pew concluiu que 54% dos egípcios são a favor de anular o tratado. Contudo, analistas políticos dizem que a Irmandade Muçulmana não tem intenções de realizar mudanças radicais em política externa, menos ainda no tocante a Israel e Palestina.

“É a primeira vez na história do Egito que os partidos islâmicos conseguem maioria parlamentar, e, portanto, terão extremo cuidado quando se tratar de manter sua posição”, disse à IPS o analista político Mohamed Abo Kraisha, editor do jornal estatal Al-Gomhouriya. “Provavelmente, nada farão que possa ameaçar sua base de apoio popular, nem realizarão mudanças que possam expor sua nova influência política diante da ameaça de interferência estrangeira ou intimidação”, acrescentou.

“A última coisa que quer a Irmandade é um conflito com Israel”, concordou Fahmi, destacando que inclusive o Hamás (Movimento de Resistência Islâmica), ramo da Irmandade que governa a Faixa de Gaza desde 2007, “manteve um cessar-fogo com Israel apesar de sua histórica negativa em reconhecer o Estado sionista. Fahmi assegurou que “o discurso pode ficar mais enérgico quando assumirem o poder, mas não farão mudanças drásticas na política externa”, assegurou.

Abdel Ghani Hindi, coordenador do Comitê Popular pela Independência de Al-Azhar e destacado membro da União de Jovens Revolucionários (formada por vários movimentos que participaram dos protestos contra Mubarak), ressaltou que qualquer mudança seria adotada de forma gradual. “A Irmandade pode tentar mudar a posição egípcia sobre vários temas delicados, como o atual bloqueio contra a Faixa de Gaza, mas só o fará muito, muito gradualmente.
Terá muita cautela para não fazer nada que gere um conflito com os Estados Unidos”, afirmou Hindi à IPS.

Também destacou que os salafistras, apesar de sua postura ortodoxa e sua reputação de linha dura, tampouco dariam passos, ao menos no curto prazo, que possam ameaçar o status quo nas relações com Israel. “Os eruditos islâmicos (ulemas) que lideram o movimento salafista estão estreitamente vinculados às dinastias que governam o Golfo, particularmente os sauditas, que são estreitos aliados de Washington”, explicou. “E, já que a ascendência regional israelense representa uma prioridade para Washington, duvido que os partidos salafistas, apoiados pelos sauditas, façam algo que impacte drasticamente nas relações entre Egito e Israel”, afirmou. Envolverde/IPS