Toronto, Canadá, 20/1/2012 – A imagem das operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) foi seriamente ofuscada nos últimos anos, segundo especialistas independentes que controlam essas missões no mundo. O último exemplo é a informação reiterada de que foram os capacetes azuis que introduziram a mortal epidemia de cólera no Haiti, após o devastador terremoto de 12 de janeiro de 2010. Também nesse país, integrantes do corpo de paz da ONU foram acusados de atacar sexualmente um jovem haitiano, em um incidente registrado com a câmera de um telefone celular.
Walter Dorn, professor canadense que dá um curso sobre missões de paz no Canadian Forces College de Toronto, também é o autor do livro Keeping Watch: Monitoring Technology & Innovation in UN Peace Operations (Em guarda: controle, tecnologia e inovação nas operações de paz da ONU). Há um espaço substancial para melhorias, afirma Dorn, ex-assessor das Nações Unidas.
Dorn admite em seu livro que as missões militares de alto perfil da ONU, tanto no Haiti quanto na República Democrática do Congo, não são de todo um sucesso. Busca fazer com que as operações da paz das Nações Unidas sejam “mais efetivas” quanto a oferecer segurança a populações civis que enfrentam facções em guerra ou desastres humanitários em países como o Congo. Por exemplo, os soldados da ONU ali “são uma força estabilizadora muito importante”, destacou.
No entanto, Dorn acrescenta que o fato de os capacetes azuis não impedirem, em 2008, um massacre de pelo menos 150 civis na aldeia congolesa de Kiwanja, apesar de estarem a um quilômetro do lugar, foi porque não aproveitaram plenamente a tecnologia de comunicações e vigilância para as operações terrestres. “Em muitos dos países em desenvolvimento onde atualmente estão, os que mantêm a paz não estão familiarizados com a tecnologia”, afirma em seu livro.
O historiador militar Sean Maloney, professor do canadense Royal Military College, disse que, “no Congo, a ONU não é exatamente neutra, e vai atrás das milícias em nome do governo”. O que ocorre atualmente sob a bandeira da ONU nada tem a ver com o conceito original de missão de paz armada como uma força imparcial, segundo Maloney, autor do livro Canada and UN Peacekeeping – Cold War by Other Means, 1945-1970 (Canadá e as missões de paz da ONU: a Guerra Fria por outros meios, 1945-1970), publicado em 2002.
Laura Seay, professora-adjunta de política no Morehouse College, nos Estados Unidos, e especialista em assuntos da República Democrática do Congo, disse que uma diminuta missão da ONU enfrenta uma tarefa “impossível” ao operar em um país tão grande, mas com recursos insuficientes para cumprir seu trabalho. “Estão muito dispersos. Se há problema em uma área, precisam deixar para trás civis vulneráveis a um ataque”, explicou à IPS.
Uma das muitas queixas é que os soldados da ONU na República Democrática do Congo que costumam chegar de vários países do sul da Ásia estão mal treinados, mal equipados, não podem comunicar-se no idioma comum (swahili) e não interagem com a população atual. Seay confirmou que o apoio da ONU ao governo central desse país tem seu lado negativo.
“O exército congolense é uma fonte de violações dos direitos humanos. Apoiar o exército e suas atividades tem um efeito perverso sobre a proteção civil”, afirmou Seay. Porém, a ONU criou uma aparência de vida normal no leste do Congo, e tornou possível a atividade comercial, o que, por seu lado, deu popularidade aos capacetes azuis, acrescentou.
Entretanto, para Courtney Frantz, autor de um informe do Conselho de Assuntos Hemisféricos em Washington, a missão de estabilização da ONU no Haiti “se tornou um instrumento dos Estados Unidos, da França e do Canadá no tocante aos seus interesses econômicos (incluída a privatização)”.
Pouco menos de dez mil soldados das Nações Unidas foram enviados em 2004 ao Haiti, após a derrubada do presidente Jean-Bertrand Aristide, que fora democraticamente eleito. O envio aconteceu de acordo com a Carta da ONU, considerando que o Conselho de Segurança havia determinado que a situação constituía “uma ameaça ou violação da paz”.
No entanto, Franz ponderou à IPS que “não há uma ameaça internacional; no Haiti não há uma guerra como houve no Iraque, Afeganistão e Congo”. Além disso, afirmou que a missão da ONU não teve um papel significativo em aliviar o dano causado pelo terremoto de 2010. O fórum mundial também ignorou matanças extrajudiciais ocorridas no Haiti e “cometeu atos de violência” contra habitantes de Cité Soleil. Segundo Dorn, a ONU levou a “lei e a ordem” ao Haiti após a ação que realizou em 2006 nesse assentamento da capital Porto Príncipe. Envolverde/IPS