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Um aniversário em transição

Cairo, 24/1/2012 – Grupos rebeldes egípcios convocaram uma manifestação contra o conselho militar governante para hoje, em comemoração ao primeiro aniversário do levante popular que derrubou o regime de Hosni Mubarak. Porém, outros setores duvidam que mais mobilizações seja o adequado. “Duvido que tenhamos outro ‘dia da ira’ como o de 25 de janeiro do ano passado”, ponderou Amr Hashem Rabie, especialista em assuntos políticos do Centro Al-Ahram de Estudos Estratégicos e Políticos, com sede no Cairo. “A maioria da população está cansada das manifestações e mais preocupada com suas necessidades diárias”, disse à IPS.

Dezenas de movimentos políticos e sociais, incluindo partidos liberais e de esquerda, começaram em dezembro a convocar marchas em todo o país, especialmente na Praça Tahrir, no Cairo, para comemorar o primeiro aniversário da revolta contra Mubarak. Os protestos se concentram em uma das principais demandas do levante de 2011: a passagem imediata do poder aos civis. O Conselho Supremo das Forças Armadas governa o Egito desde fevereiro de 2011, após a renúncia de Mubarak, que estava no poder desde 1981.

“Os grupos rebeldes reclamam a entrega imediata da autoridade executiva ao presidente do parlamento ou a um interino eleito pelos parlamentares para que conduza o atual período de transição até que haja eleições presidenciais e uma nova Constituição”, disse Ahmed Maher, coordenador-geral do Movimento 6 de Abril. Esta organização teve destacado papel no levante popular do ano passado.

Os manifestantes cobram demandas adiadas como o fim de julgamentos de civis em tribunais castrenses e a libertação dos ativistas presos pelos militares em 2011. “Os movimentos envolvidos ainda debatem a possibilidade de ocupar de forma indefinida a praça Tahrir se não forem atendidos”, advertiu Maher. Para reunir apoio, os movimentos populares realizam campanhas de rua em todo o país divulgando os últimos casos de repressão contra os manifestantes.

Dezenas de ativistas foram assassinados pelas forças de segurança em novembro durante cinco dias de enfrentamentos nos arredores da Praça Tahrir. Fatos semelhantes, mas em menor proporção, aconteceram novamente em meados de dezembro. Não há muito entusiasmo entre a população a favor das manifestações previstas. Muitos egípcios afirmam que a transição para a realização de eleições livres, cuja agenda já foi fixada pelo Conselho Militar, deve seguir seu curso.

“Acabamos de realizar eleições parlamentares pela primeira vez em décadas e os presidenciáveis estão na esquina”, ponderou o taxista Ibrahim Sayyed, de 45 anos. “Não sei o motivo de continuarem protestando. As greves e as manifestações constantes só gerarão mais instabilidade e prejudicarão mais a já atribulada economia”, defendeu.

“Apoiei a revolução para derrubar Mubarak, mas já houve eleições livres e as pessoas tomaram uma decisão”, afirmou o engenheiro Mohammad Ashraf, de 35 anos. “Os que convocam outro levante promovem o caos e enfraquecem o Egito. Colocam interesses políticos de curto prazo adiante do bem-estar do país”, acrescentou.

As primeiras eleições parlamentares após a queda de Mubarak acabaram no começo deste mês com esmagadora vitória de partidos islâmicos que, juntos, concentraram 75% dos votos e garantiram o futuro domínio da assembleia legislativa. As eleições presidenciais estão previstas para meados de junho próximo, após as quais o Conselho Militar prometeu reiteradamente ceder o Poder Executivo.

Entretanto, no campo rebelde também há oposição às manifestações previstas. Magdi Sherif, presidente dos Guardiões da Revolução, grupo criado no ano passado, está totalmente em desacordo com os que pedem uma abrupta transferência de poder. “Apesar de alguns erros, o Conselho conseguiu realizar eleições parlamentares livres, com um resultado sem precedentes”, declarou Sherif à IPS.

“Somente porque alguns setores, especialmente o que controlava a maioria dos meios de comunicação privados, não estão contentes com os resultados, não há motivo para colocar em risco todo o processo eleitoral convocando outro levante”, afirmou Sherif. “O exército cometeu graves erros, por certo, mas também fixou um cronograma claro para entregar o poder. No caso de se negarem a passar o poder após as próximas eleições, os manifestantes podem ocupar as ruas, a Praça Tahrir continuará lá”, ressaltou.

Muitos egípcios contrários às manifestações marcadas para amanhã também afirmam que o país, que ainda não se recuperou da revolta sem precedentes do ano passado, precisa, mais do que tudo, de segurança e estabilidade. “Os crimes aumentam (em grande parte pela retirada da polícia há um ano) e há uma grave escassez de produtos básicos como gás, gasolina e pão”, disse Umm Ismail Ahmed, de 50 anos, que participou, junto com seus cinco filhos, dos protestos de 2011. “Agora precisamos de certo grau de tranquilidade, ao menos por alguns meses, para resolver os problemas internos”, ponderou.

Por outro lado, o Conselho Militar pretende comemorar o primeiro aniversário da revolução com festas na emblemática Praça Tahrir, o que leva ao temor de enfrentamentos com os revolucionários. Maher, do Movimento 6 de Abril, destacou a natureza pacífica das manifestações previstas. “Todas as agrupações que participaram dos protestos na Praça Tahrir tomam medidas para evitar conflitos”, disse, e destacou que sua organização tem ordem de se retirar da área em caso de violência.

Como outros partidos islâmicos, a Irmandade Muçulmana declarou sua oposição às manifestações e não participará das celebrações previstas. Seu braço político, o Partido Liberdade e Justiça, obteve a maioria dos votos nas eleições parlamentares. A organização prevê manter uma presença em torno da Praça para oferecer segurança.

“Provavelmente haverá mais gente protestando do que comemorando”, previu Rabie, “pois muitas reclamações revolucionárias não foram atendidas, continuam sem melhorar diversas situações cotidianas, numerosos funcionários corruptos do regime derrubado não foram processados e as famílias de manifestantes assassinados no ano passado ainda não foram indenizadas. “Contudo, será muita infelicidade se houver violência, pois seria o estopim para gerar mais caos, a última coisa de que o Egito precisa diante da atual conjuntura crítica”, alertou Rabie. Envolverde/IPS