Bangcoc, Tailândia, 25/1/2012 – Enquanto desarticula uma ditadura militar cinquentenária sem disparar um único tiro, o presidente birmanês, Thein Sein, recorre à arte política de fazer acordos. As reformas impulsionadas pelo general da reserva em menos de um ano foi correspondida por Aung San Suu Kyi, ativista emblemática do movimento pela democracia nesta nação do sudeste asiática, que foi presa política durante 15 dos últimos 22 anos.
Um dos fatos mais significativos aconteceu no dia 18, quando Suu Kyi se registrou como candidata nas eleições parlamentares de 1º de abril deste ano. Ao fazê-lo, a líder da Liga Nacional pela Democracia (NLD) e prêmio Nobel da Paz curou uma ferida política de longa data. Deste modo deu seus frutos a luta pessoal de Suu Kyi, de 66 anos, e de seu partido, o qual a junta militar havia impedido de governar apesar de ter obtido maioria esmagadora nas eleições gerais de 1990.
A decisão da ativista de apoiar o novo cenário político birmanês se deparou com o obstáculo formado por uma respeitada organização de ex-líderes universitários – o grupo de Estudantes da Geração 88 – dias depois que seus membros foram colocados em liberdade.
O Geração 88 “participará plenamente com o governo liderado pelo presidente, o parlamento, os militares, os partidos políticos e as minorias étnicas pelo surgimento da democracia, da paz e do desenvolvimento”, afirmou a organização em um comunicado divulgado durante uma entrevista coletiva realizada em Rangun, ex-capital do país. No encontro, que aconteceu no dia 21, o legendário líder estudantil Min Ko Naing, condenado a 65 anos de prisão por fazer política, disse que o Geração 88 se alinharia com os reformistas, segundo um informe da agência de notícias Associated Press (AP).
Inclusive líderes do Ocidente, antes críticos das juntas que precederam a que governa atualmente, são pródigos em elogios ao tranquilo e apagado Thein Sein, de 66 anos, o que teria sido improvável há um ano. “Estou convencido de que é um reformista genuíno. E, o que é mais importante, também Suu Kyi está convencida”, admitiu o senador do Partido Republicano norte-americano Mitch McConnell, conhecido por sua habitual linha dura em relação à Birmânia, em declarações à AP após visitar esse país.
Em algumas capitais do sudeste asiático Thein Sein é comparado a Mikhail Gorbachov, cujas reformas levaram ao colapso da União Soviética, e a Frederik de Klerk, que propiciou o fim do apartheid, o regime de segregação racial que havia na África do Sul. Tal estrelato político para Sein, desde que em março do ano passado se converteu em presidente do governo quase civil, contrasta com seus antecedentes de 40 anos no exército.
“Sua experiência de combate não foi conhecida no exército”, contou Win Min, especialista birmanês em segurança nacional que atualmente vive no exílio. É reconhecido como “obediente, bom administrador, modesto e menos ambicioso e menos corrupto do que os outros”, acrescentou.
“De todo modo, muitos de nós pensávamos que depois de assumir como presidente simplesmente faria o que Than Shwe (ex-líder da junta) lhe dissera, como aconteceu quando foi primeiro-ministro”, disse Win Min, em uma entrevista. “Sentimos que não se incomodará de tomar iniciativas como as que tomou nos últimos meses. Assim, para mim é uma grande surpresa”, ressaltou.
Após deixar claro o tipo de reformas que faria, em seu discurso de posse do primeiro parlamento do país em 50 anos, Sein flexibilizou as leis de censura, apoiou a legalização dos sindicatos e se comprometeu com muitos atores a dar forma às políticas econômicas e de desenvolvimento. Também iniciou diálogo com Suu Kyi, seu movimento pró-democracia e os líderes de grupos rebeldes étnicos.
Entretanto, como revelaram os telegramas divulgados pelo site Wikileaks, houve insinuações de que Sein já estava se convertendo em um reformista político em meio a um regime militar. Funcionários da embaixada dos Estados Unidos em Rangun informavam, já em junho de 2008, que Sein, então primeiro-ministro da junta liderada por Shwe, era retratado como “inteligente” e “pragmático” por Nay Win Maung, ativista birmanês que faleceu este mês.
A nota diplomática confidencial que seguiu ao devastador ciclone Nargis, que matou cerca de 150 mil pessoas em maio daquele ano, diz: “Nay Win Maung disse que foi o primeiro-ministro Thein Sein que pediu a Than Shwe que garantisse a permissão para que pessoal internacional e humanitário viajasse às áreas atingidas”. É este antecedente de Sein que parece ter conquistado os birmaneses.
“Este é nosso momento de mudança. Um novo amanhecer para nosso país”, disse à IPS o comediante dissidente mais famoso do país, Maung Thura, mais conhecido pelo nome artístico de Zarganar. “Deveríamos cooperar. Deveríamos olhar para frente”, disse, após ser libertado da prisão. Envolverde/IPS