Arquivo

Romenos descobrem os protestos de rua

Varsóvia, Polônia, 25/1/2012 – Os planos para privatizar a saúde provocaram variadas manifestações nas ruas das grandes cidades da Romênia há mais de uma semana. As principais demandas são transparência e responsabilidade na tomada de decisões do governo. Esta privatização proposta pelo governo centro-direitista é parte do programa de austeridade, o mais rígido da Europa, imposto em 2009 como condição para receber crédito de 20 bilhões de euros (US$ 27,3 bilhões) do Fundo Monetário Internacional (FMI). Nesse contexto foram reduzidos em 25% os salários estatais e houve cortes na assistência social.

Os protestos eclodiram agora em resposta a um projeto de lei para privatizar o sistema de saúde apresentado pelo presidente da Romênia, Traian Basescu, no começo deste mês, que foi redigido por uma comissão sem debate público. A iniciativa propõe que todos os pacotes de seguro médico, incluindo a cobertura universal básica, seja gerida por fundos privados, como os serviços de emergência.

Isso levou o secretário de Estado, Raed Arafat (criador de um sistema de ambulâncias eficiente que funciona em muitas cidades romenas), a afirmar que a implementação da nova lei destruiria essa iniciativa. Para a desmoralizada população foi a gota d’água. Centenas de milhares de pessoas protestaram nas ruas de Bucareste e de outras cidades.

“Os médicos de família não querem uma reforma do sistema de saúde, nem os empregados do sistema de emergência e tampouco uma parte da população”, afirmou Basescu no dia 13 ao retirar o projeto de lei, ao que parece, sem poder distinguir entre reforma e privatização. Em 13 ocasiões nos últimos quatro anos, o Poder Executivo evitou o parlamento para leis importantes, bem mais do que as quatro vezes em que o mesmo aconteceu no governo social-democrata, entre 2000 e 2004.

O governo Basescu sancionou em 2011 uma lei para proibir concentrações políticas sem autorização perto de instituições estatais, bem como outra para que as empresas privadas realizassem expropriações em nome do Estado. Esta última foi considerada uma ferramenta direta para ajudar a sociedade canadense Rosia Montana Gold Corporation a ganhar uma batalha de longa data no âmbito local para explorar ouro, usando cianureto, nessa localidade do oeste da Romênia.

No final do ano passado, houve manifestações públicas contra as táticas do governo. Usando os nomes dos indignados espanhóis ou do movimento norte-americano Ocupe, jovens protestaram nas grandes cidades contra a lei de expropriação e também pediram melhor representação.

Nos centros das grandes cidades há cartazes com frases contra o governo, imagens associando Basescu com o ex-mandatário Nicolae Ceausescu (1918-1989), pedidos de democracia direta, críticas pela corrupção (“pedimos desculpas por não produzirmos tanto quanto roubam”) e expressões desesperadas (“temos fome”). Também se pode ver outras cobranças mais específicas como deter o projeto Rosia Montana, assistência médica gratuita, educação decente para todos e direitos para os deficientes.

“Há muita confiança entre as pessoas, é fácil falar de qualquer coisa, apesar de haver muitos grupos sociais e posições políticas presentes, desde aposentados que chegaram à praça para passar a tarde e senhoras da classe média até ativistas, punks, anarquistas, jovens boêmios de classe alta e torcedores de clubes de futebol”, disse Mihai Likacs, um dos participantes. “Todos buscam o mesmo, participação e democracia direta. Os representantes políticos que tentaram se aproximar da praça foram impedidos pelos manifestantes. O mesmo ocorreu com organizações fascistas como a Nova Direita, que foi expulsa pelos manifestantes”, contou.

Os protestos ficaram mais violentos algumas noites, especialmente nos dias 14 e 15 deste mês, quando foram quebrados caixas automáticos e vitrines de lojas, incendiados contêineres de lixo e várias pessoas acabaram feridas por pedras. Diferentes testemunhos responsabilizaram fanáticos torcedores de futebol ou provocadores infiltrados pelo governo, a polícia ou jovens descontentes atentando contra símbolos do neoliberalismo. Os meios de comunicação cobriram amplamente os episódios de violência.

O sociólogo Mircea Kivu considerou que o excessivo interesse na violência prejudica a compreensão do protesto e sua força. “Identificar os violentos como inimigo comum da polícia e dos manifestantes cria um novo objeto de interesse que substituirá o cerne de mensagem dos protestos: o desespero das pessoas que as levou a ocupar as ruas”, destacou. “Com o debate centrado na violência, o governo pode se mostrar preocupado, em lugar de atender as reclamações, e os manifestantes passam a defender a não violência em lugar de insistir no aspecto central do protesto”, ressaltou.

“A maioria das pessoas que foi protestar considerou a violência algo sem relação com ela ou com suas reclamações e se mantêm afastadas”, disse a especialista em política Oana Popescu.  “Uma das principais lições a aprender com os últimos acontecimentos é como integrar as manifestações às práticas democráticas na Romênia”, apontou Popescu. “É bom que ocorram estes acontecimentos, pois é uma oportunidade para aprender a protestar e nos expressarmos. Espero que seja uma ocasião para amadurecer politicamente e que não terminemos indo para casa e nos felicitarmos por uma façanha”, acrescentou. Envolverde/IPS