Cairo, Egito, 26/1/2012 – Quando Hosni Mubarak foi expulso do poder no Egito, em fevereiro de 2011, após um levante popular, os líderes militares que assumiram o controle do país prometeram “proteger a revolução” e assegurar uma transição pacífica para mãos civis em seis meses. Um ano depois, os generais governantes parecem ter sequestrado a transição para preservar a autonomia econômica das Forças Armadas e garantir seu próprio futuro político.
“O Conselho Militar nunca protegeu a revolução. Só protegeu a si mesmo”, protestou o ativista Ahmed Maher, um dos arquitetos do levante que acabou com o regime de Mubarak. No ano passado, os egípcios elogiaram o exército por ter se negado a disparar contra os manifestantes nos protestos contra o regime, que duraram 18 dias, mas a popularidade das Forças Armadas caiu em queda livre nos últimos meses, enquanto cresce o descontentamento público pela contínua repressão e pelo lento ritmo das reformas.
Muitos afirmam que desde a saída de Mubarak os generais tomaram medidas para preservar os privilégios que a instituição militar gozava desde que o exército deu um golpe de Estado há 60 anos. O Conselho Supremo das Forças Armadas, integrado pelos altos chefes militares da era Mubarak, foi alvo de duras críticas quando pretendeu elaborar uma legislação que lhe dava autoridade sobre qualquer parlamento eleito.
A proposta foi descartada diante da forte oposição de ativistas e movimentos políticos, que condenaram os esforços dos militares para se consolidarem no poder político e tirar o orçamento militar do controle civil. Os generais governantes têm importantes interesses econômicos em jogo, incluindo o controle de 30% da economia egípcia, no valor de US$ 180 bilhões, e uma assistência anual de Washington de US$ 1,5 bilhão em troca de manter a paz com Israel.
Altos chefes militares controlam os negócios e os balneários turísticos, bem como fábricas que produzem tudo, de armas e veículos até roupas e água engarrafada. “Os militares controlam muitos setores econômicos, e agora o governo, que regula esses setores. Pode-se ver porque não querem ceder”, disse Ahmed Sakr Ashour, professor de administração na Universidade de Alexandria.
O Conselho Supremo, liderado por Mohamed Husein Tantawi, que foi por muito tempo ministro da Defesa na era Mubarak, prometeu ceder o poder a um governo civil eleito, mas continua procurando desculpas para prolongar seu controle. Os generais traçaram um caminho para a transição política do país muito intrincado e obscuro. A nova câmara baixa do parlamento egípcio se reuniu no dia 23, mas pode demorar mais um mês para que sejam completadas as eleições da câmara alta.
Os generais só aceitaram acelerar as complexas eleições, com vários turnos, depois que houve mortais combates em novembro, em meio a protestos para que se apressasse a transição. O Conselho também antecipou as eleições presidenciais para junho deste ano, originalmente previstas para começo do ano que vem.
Os militares resistem em derrubar as instituições que apoiavam o repressivo regime de Mubarak. Um tribunal ordenou desmantelar o ex-governante Partido Nacional Democrático, e seus antigos líderes foram submetidos a julgamento, mas as autoridades mostraram deferência com o próprio Mubarak e seu círculo mais íntimo.
Muitos egípcios expressaram sua indignação diante de imagens de vídeo mostrando policiais responsáveis pela segurança de um tribunal saudando o ex-ministro do Interior, Habib El-Adly, quando entrava na corte, sem algemas nem escolta, para ser julgado por crimes de assassinato. Os promotores dizem que El-Adly ordenou às forças policiais sob seu comando abrirem fogo contra manifestantes durante o levante do ano passado.
Ativistas afirmam que os juízes são indulgentes com oficiais de polícia acusados de matar centenas de manifestantes durante o levante, e que as mudanças no Ministério do Interior são puramente cosméticas. Muitos altos funcionários implicados em abusos ainda não foram demitidos nem responsabilizados.
Essa indulgência contrasta com a atitude do governo militar diante da população. Desde a queda de Mubarak, pessoal da segurança usa a força para dispersar manifestações, principalmente as que criticam os militares. Em setembro, o Conselho Supremo renovou e expandiu as leis de emergência da era Mubarak, que dão à polícia o direito de prender sem motivo nem ordem judicial.
Mais de 12 mil civis, incluindo manifestantes, foram julgados sem as devidas garantias em tribunais militares. Muitos se queixam de tortura e abusos nas prisões, enquanto algumas mulheres denunciaram que foram submetidas a humilhantes “provas de virgindade” quando estavam detidas.
“Os governantes militares do Egito fracassaram totalmente no cumprimento de suas promessas aos egípcios, de melhorar os direitos humanos, e, por outro lado, foram responsáveis por uma série de abusos que em alguns casos excedem o histórico de Hosni Mubarak”, disse a Anistia Internacional.
A mão dura do Conselho Supremo contra o ativismo de rua coincidiu com uma campanha de difamação contra vários grupos de direitos humanos. Os generais utilizam a mídia estatal para desacreditar os oponentes, mostrando os manifestantes e as organizações que supervisionam as eleições como agentes do exterior que buscam solapar a soberania nacional.
Repetidamente os militares falam de uma “mão invisível” que incita enfrentamentos entre as forças de segurança e manifestantes, que deixaram mais de 80 mortos e milhares de feridos nos últimos três meses. “A mão invisível é o próprio Conselho Supremo. O exército ataca as pessoas, mata manifestantes nas ruas e não implanta nenhuma das demandas da revolução, e esta é a razão da violência”, ressaltou Negad El-Borai. Envolverde/IPS