Há alguns anos que pequenos estudos apontaram para um fato curioso: a possível associação do consumo de vinho com um menor risco de doenças coronarianas e enfarte. Pesquisadores ao redor do mundo tentam esclarecer, confirmando ou não, se existe realmente um fator protetor no vinho, como, por exemplo, as substâncias antioxidantes.
Em nosso meio, um grande estudo foi desenvolvido no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo, pelo médico cardiologista e professor titular da USP, Protásio da Luz, para investigar essa provável relação. O estudo recebe, entre os médicos do Incor, o carinhoso apelido de Estudo da Confraria.
O professor Protásio foi convidado para proferir uma palestra no Congresso Mundial de Cardiologia, em Dubai, sobre o estado atual da pesquisa e do conhecimento sobre o vinho, o suco de uva e o coração. A seguir, a conversa com ele.
CartaCapital: Quais são os resultados científicos que levam a crer na ação protetora do vinho?
Protásio da Luz: Nos estudos sobre vinho demonstramos que, em coelhos submetidos a uma dieta gordurosa, o consumo concomitante de vinho tinto ou de uva diminui muito a formação de placas de aterosclerose na aorta. Isso ocorreu sem redução dos níveis de colesterol no sangue dos animais. Isto demonstra que é possível atuar sobre o processo aterosclerótico independente dos lípides plasmáticos.
CC: E nos pacientes?
PL: Em pessoas com colesterol aumentado, observamos que a ingestão de vinho tinto ou suco de uva melhora a capacidade de dilatação das artérias; isto é muito importante porque a dilatação das artérias é fundamental para a circulação do sangue. Ultimamente fizemos um estudo sobre função e envelhecimento vascular em ratos. Aí mostramos que o vinho e o resveratrol, que é uma substância encontrada nas cascas da uva, protegem contra o envelhecimento do sistema cardiovascular. Assim, os animais tratados com vinho tinto ou resveratrol tinham melhor capacidade de exercício e maior capacidade de dilatação arterial. Curiosamente, apesar desses dados, a sobrevida total dos animais testados não foi significativamente diferente daquela dos animais não tratados. Isto implica que, enquanto vivos, os animais tratados tinham maior capacidade física.
CC: E o Estudo da Confraria no Incor?
PL: Agora, estamos analisando os resultados desse estudo em que comparamos indivíduos bebedores habituais de vinho tinto com abstêmios em relação ao envelhecimento e à situação das artérias coronárias, avaliados por angiotomografia computadorizada. Ainda não temos resultados definitivos, mas esse estudo deverá dar informações, em homens, sobre o possível efeito do vinho no sistema cardiovascular, especialmente nas coronárias.
CC: Como podemos classificar a relação entre o vinho ou o suco de uva e o coração, na luz do conhecimento atual?
PL: Os benefícios gerais sobre o sistema cardiovascular são, provavelmente, verdadeiros. Agora existe grande interesse sobre a questão do envelhecimento. A única intervenção que reduz o envelhecimento, em macacos, por exemplo, é a restrição calórica. Mas esta é difícil de conseguir na prática em seres humanos. Porém, componentes do vinho tinto exercem efeitos metabólicos virtualmente idênticos à restrição calórica. Carece saber se isso de fato ocorre no homem. Essa é uma área de pesquisa importante.
CC: Com a experiência do senhor sobre o conhecimento atual, o que tem sugerido a seus pacientes?
PL: Acho que o importante na prevenção de doenças cardiovasculares é um conjunto de atitudes que representam o estilo de vida sadio. Estas incluem peso adequado, exercícios regulares, não fumar, manter dieta saudável e ingerir pequenas quantidades de vinho tinto. Outro aspecto importante é o psicossocial: é importante ter uma situação de conforto nos vários aspectos da vida – trabalho, família, equilíbrio emocional. Hoje, isto também é muito valorizado. E aqui a interação entre psicologia e medicina é fundamental.
* Publicado originalmente no site Carta Capital.