Belgrado, Sérvia, 2/2/2012 – As mulheres na Instituição Correcional Penal de Pozarevac, na Sérvia, são duplamente vítimas: sofreram décadas de violência sexista e depois foram presas, algumas por até 15 anos, por terem matado seus companheiros. Em um raro exemplo de cooperação entre as organizações da sociedade civil e o governo sérvio, foi implantado um plano para lançar luz sobre este fenômeno e criar consciência entre a população.
“Existia um plano geral para melhorar as condições das mulheres na prisão”, explicou à IPS a diretora da Sociedade de Vitimologia da Sérvia (SVD), Vesna Nikolic Ristanovic. “Mas, quando nos demos conta de que uma em cada dez delas foram condenadas pela morte de seus companheiros após sofrerem anos de violência familiar, decidimos lançar uma ação mais ampla”, acrescentou.
Vesna afirmou que o esforço incluía “apoio, educação e programas de inclusão uma vez reincorporadas à sociedade”, e acrescentou que “as mulheres vivem com as experiências traumáticas combinadas da violência doméstica e enfrentam a possibilidade de se converterem novamente em vítimas e perpetradoras”.
Estatísticas da SVD revelam um aumento anual nos casos de violência familiar, que aumentaram 30% em 2010 e 30% no ano passado. Um novo estudo dessa entidade concluiu que mais da metade das mulheres na Sérvia sofreram alguma forma de violência intrafamiliar em 2011, e que pelo menos 44 morreram nas mãos de seu companheiro nesse período.
No ano passado, 16 mulheres, a maioria entre 60 e 70 anos, vítimas por décadas de violência de gênero, foram condenadas por terem matado seus companheiros e enviadas a prisão de Pozarevac. Este cárcere, único em seu tipo para mulheres na Sérvia, leva o nome da localidade onde foi construída em 1874, 120 quilômetros a leste de Belgrado. Atualmente, tem 769 detentas.
“Da prisão para a vida sem violência” é o nome do plano conjunto de dois anos de duração a cargo da SVD. Conta com participação do Escritório do Defensor do Povo, da secretaria do governo encarregada de temas de igualdade de gênero e combate à violência doméstica, e a administração de Pozarevac.
O projeto busca instruir o sistema judicial sobre os impactos da violência machista no âmbito familiar e as respostas violentas específicas das mulheres vítimas de abusos, explicou Milos Jankovic, do escritório do Defensor do Povo, encarregado de proteção dos direitos dos presos.
“As políticas punitivas eram praticamente a única área em que os homens e as mulheres eram iguais na Sérvia”, disse Jankovic à IPS. “As mulheres eram condenadas a penas de prisão tão graves quanto os homens, a 15 anos ou mais em casos de assassinatos, sem importar a tortura que haviam sofrido e que as levaram a cometer o crime”, acrescentou.
Mas, reformas judiciais nos últimos anos e uma profunda análise da violência de gênero levaram à primeira sentença “indulgente” (de dois anos e meio) para uma mulher que matou seu companheiro que a maltratava. O crime foi catalogado como “homicídio em estado afetado”, pois considerou-se que a acusada estava sob forte pressão mental quando cometeu o assassinato. Para ativistas como Jankovic, que trabalham diariamente com estes temas. Essa sentença foi uma vitória.
O Comitê Helsinque para os Direitos Humanos na Sérvia lançou uma campanha exortando os juízes para, na hora de dar a sentença, levem em consideração os maus-tratos sofridos pelas mulheres acusadas. Também lançou uma iniciativa, apoiada pelas líderes políticas e ativistas mais destacadas da Sérvia, para solicitar indultos e libertação antecipada de algumas detentas.
A Sérvia ainda é uma sociedade fortemente tradicional e patriarcal, na qual se considera que os assuntos familiares devem ser totalmente privados. Mas, a campanha nacional animou muitas mulheres a quebrarem o silêncio e contar suas histórias. Mais de 6.500 casos de violência de gênero foram registrados entre janeiro e novembro de 2011. “O aumento de casos informados não necessariamente significa que haja mais abusos, mas quer dizer que existe uma crescente conscientização entre as pessoas”, afirmou Jasmina Nikolic, do escritório de vítimas da SVD. “O crescente estímulo (do governo e da sociedade civil organizada) para que relatem os abusos e peçam proteção serviu para isto”, disse à IPS.
Anka Gogic Mitic, guarda em Pozarevac, disse que as mulheres que cumprem penas por assassinato e outros crimes contra seus companheiros procedem de “todas as classes sociais e situações financeiras e de todos os níveis educacionais. “Procuramos trabalhar no fortalecimento de suas capacidades e em prepará-las para a inclusão social uma vez que ganhem a liberdade”, afirmou à IPS.
O plano prevê capacitação profissional em padaria, costura e hotelaria, e também oferece assistência de um grupo de quatro psicólogos que as ajudam a superar suas experiências traumáticas de violência, a maioria delas com origem na infância. Muitas negam o grave crime que cometeram ou têm vergonha de falar com seus filhos, já crescidos, e com o resto de seus familiares, disse Mitic.
“Os temas que estas mulheres enfrentam só podem ser descritos como delicados e complexos. Nenhum caso é igual a outro, só na superfície. Temos a esperança de que não as veremos mais nesta prisão, e colocamos todo nosso esforço nessa meta”, acrescentou. Envolverde/IPS