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Suíça deporta solicitantes de asilo como “pacotes humanos”

O centro de detenção para imigrantes no aeroporto de Zurique. Foto: Ray Smith/IPS

Zurique, Suíça, 14/2/2012 – A promotoria de Zurique desconsiderou o caso de um nigeriano solicitante de asilo, que morreu há dois anos enquanto era deportado. No entanto, as autoridades suíças resistem em rever o controvertido sistema de repatriações. Joseph Chiakwa, de 29 anos, estava debilitado após seis semanas de greve de fome, quando nove policiais entraram em sua cela em uma prisão de Zurique, na tarde de 17 de março de 2010. Eles amarraram suas mãos e lhe colocaram um capacete de lutador de boxe.

Depois, em um prédio próximo, imobilizaram seus braços e pernas, amarrando-o a uma cadeira de rodas especial, na qual o levariam ao avião que o tiraria do país. Os policiais ignoraram os sinais de mal-estar do detido. Quando finalmente chegou um médico, Chiakwa estava morto. Foi uma infeliz tentativa de deportação de Nível IV, segundo a classificação das autoridades suíças, na qual são empregadas as máximas medidas de controle sobre o repatriado para evitar que resista.

Ibrahim Moses (nome fictício) também passou cerca de um ano em uma prisão especial para pessoas que serão deportadas. Ele contou à IPS que ficava nervoso toda vez que havia boatos sobre iminentes voos especiais. “Sente-se medo, porque ali não há quem lute por você”, reclamou este solicitante de asilo originário da África ocidental. Moses foi testemunha de várias deportações forçadas. “Em geral, os guardas da prisão mandam que vá para o segundo andar, sem dizer o motivo. Ali te fazem esperar. De repente, te amarram as mãos”, detalhou. O comum é a vítima ser amarada e colocada em uma cela separada, completou.

“Depois, ficam te vigiando. Seis ou sete policiais para uma pessoa. Te obrigam a vestir roupas especiais te algemam e levam para outro prédio. Ali te amarram como se fosse um pacote antes de colocar no avião”, afirmou Moses, que sofreu uma tentativa de deportação Nível II. Neste caso, o detido é algemado e escoltado por dois policiais em um voo regular. “Resisti quando me levavam para o avião”, contou. Há alguns anos, também eram realizadas repatriações Nível III, em que a pessoa é transportada em um voo regular, mas totalmente acorrentada. Este tipo já não é praticado e, portanto, Moses foi levado de volta à prisão. “Se a pessoa se nega a ser deportada em um voo regular, então te colocam como um pacote em um voo especial da próxima vez”, acrescentou.

Em 2011, a Suíça enviou de volta 6.439 pessoas por avião, e, de todas deportações, 165 foram de Nível IV, em voos especiais. Em comparação com anos anteriores, o número de expulsões diminuiu, mas a coordenadora para refugiados da Anistia Internacional, Denise Graf, disse que ainda há muitos procedimentos Nível IV que poderiam ser evitados. “Devem ser absolutamente excepcionais”, destacou. “Na maioria dos casos, acorrentar totalmente a pessoa é uma medida absolutamente desproporcional”, afirmou Graf, explicando que os procedimentos de nível IV representam riscos e danos à dignidade humana dos repatriados. A Anistia exige que antes de qualquer procedimento seja feita uma longa e completa conversa com quem será deportado. “As razões que levam alguém a resistir à repatriação são muitas, e, em geral, o problema pode ser facilmente solucionado”, ponderou Graf. “A polícia sempre está obrigada a escolher a opção menos prejudicial. No entanto, observamos que são aplicadas as medidas mais duras possíveis”, completou.

Após a morte de Chiakwa em 2010, o governo suíço pagou US$ 55 mil à sua família, mas esclareceu que era um “gesto humanitário” e “não uma compensação ou admissão de culpa”. Os familiares, entretanto, estão especialmente interessados em que seja feita uma séria investigação sobre sua morte. Duas avaliações forenses determinadas pela promotoria do Cantão de Zurique identificaram uma falha no coração da vítima. “Não considero isto plausível”, contrapôs Viktor Gyorffy, advogado da família Chiakwa. “Quando se tenta definir a exata doença cardíaca que provocou a morte, as avaliações são contraditórias”, afirmou.

Com base em um estudo independente feito por um cardiologista, Gyorffy ressaltou que as causas mais relevantes foram ignoradas pela promotoria. “Segundo o cardiologista, a morte de Chiakwa foi causada pelos efeitos de uma greve de fome combinados com o imenso estresse que sofreu durante a tentativa de deportação de Nível IV”, argumentou o advogado, lembrando que, se o detido tivesse uma doença cardíaca, as autoridades eram responsáveis por sua morte.

“Ninguém que perde um familiar desta forma aceitaria a desconsideração do caso”, comentou Gyorffy, que apresentou uma apelação. O advogado é apoiado pela organização de direitos humanos Augenauf. Seu porta-voz, Rolf Zopfi, afirmou que a investigação da promotoria estava viciada. “Não chama a atenção um jovem de 29 anos morrer nas mãos da polícia e que uma doença cardíaca seja a única causa, enquanto outros fatores são considerados acaso e irrelevantes?”, perguntou.

Após a morte de Chiakwa, em março de 2010, a Suíça suspendeu temporariamente os voos especiais de deportação. Contudo, em junho daquele ano, todos foram reiniciados, menos os destinados à Nigéria, que só foram retomados em janeiro de 2011, depois de solucionados alguns problemas bilaterais. Logo, as autoridades suíças começaram a ser duramente criticadas. A televisão local documentou como policiais agrediam um nigeriano solicitante de asilo durante uma tentativa de repatriação, embora as forças de segurança assegurassem que a operação foi realizada “sem nenhum incidente”.

Entretanto, não só as organizações de direitos humanos criticam o governo da Suíça. Desde janeiro de 2011, este país está obrigado pela “Diretriz de Retorno”, da União Europeia, a dar “um efetivo sistema de supervisão às repatriações forçadas”. A Diretriz ainda não foi implantada. Atualmente. Só alguns voos de deportação são supervisionados por observadores que participam de um projeto-piloto do Escritório Federal para as Migrações. Para Denise Graf, a transparência e a independência são fundamentais para um sistema de vigilância. Por sua vez, Zopfi alertou que o projeto-piloto de vigilância não vai fundo no problema. Sua organização, a Augenauf, considera que as expulsões de Nível IV são fundamentalmente perigosas, desumanas e desproporcionais, por isto as rechaça categoricamente. Envolverde/IPS