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Rebelião tuaregue provoca deslocamentos em massa

Bamako, Mali, 14/2/2012 – Os partidos políticos de Mali querem que o governo inicie conversações para acabar com a rebelião de nômades tuaregues, que surgiu em meados de janeiro no norte do país, e que já causou o deslocamento de dezenas de milhares de pessoas. A maioria delas foge dos combates no norte, mas outras escapam de conflitos étnicos e manifestações violentas em cidades do sul.

O levante do Movimento Nacional para a Libertação de Azawad (MNLA) já causou dezenas de mortes no exército e entre os rebeldes, embora ainda não haja fontes independentes que forneçam números precisos. Em um comunicado divulgado no dia 7, o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou sobre o envio de suprimentos de emergência para países limítrofes, a fim de ajudar a atender as necessidades de aproximadamente 200 mil refugiados ali assentados.

“Nas três últimas semanas, pelo menos dez mil pessoas cruzaram a fronteira com Níger, nove mil se refugiaram na Mauritânia e três mil em Burkina Fasso”, disse, em Genebra, o porta-voz do Acnur, Adrian Edwards. “Muitos dos recém-chegados dormem na intempérie e têm pouco acesso a abrigo, água limpa, serviços de saúde e alimentos”, acrescentou. A Cruz Vermelha estima que outros 30 mil foram deslocados dentro de Mali desde o primeiro ataque do MNLA, em 17 de janeiro, contra a localidade de Menaka. Os rebeldes, que reclamam um Estado independente na região de Azawad, no norte, continuam atacando guarnições do exército.

A indignação popular pelos ataques cresce no sul. Foram registradas manifestações violentas em várias de suas cidades, entre elas Kayes, Ségou e a capital, Bamako, entre 31 de janeiro e 2 deste mês. As marchas foram organizadas como resposta ao que os manifestantes consideram uma reação “tímida” das autoridades, mas em muitos casos degeneraram em distúrbios. Modibo Diaby, morador de Kati, ao sul, contou à IPS que viu saques de inúmeras lojas de tuaregues, ou pessoas consideradas desta etnia. Cenas semelhantes ocorreram em outros lugares.

O presidente, Amadouo Toumani Touré pediu à população para não confundir rebeldes com os civis tuaregues. “Os que atacaram instalações militares e outros locais no norte não devem ser confundidos com nossos compatriotas tuaregues, árabes, songhais, peuls, que vivem conosco”, afirmou Touré em um discurso pela televisão, no dia 1º. O mandatário também insistiu nas operações militares contra os rebeldes. “O exército tem tudo o que precisa para garantir a segurança de nosso povo. Continuaremos enviando armas e munições”, ressaltou.

Em busca de aliviar as tensões étnicas, o ministro de Infraestrutura e Transporte, Ahmed Diane Semega, insistiu, um dia depois, que nem todos os tuaregues são parte da rebelião. “Dos quase 3,6 mil que há no exército nacional, menos de cem desertaram”, informou. Esta é a quarta rebelião dos tuaregues, que vivem em Mali desde a independência do regime colonial francês na década de 1960. A última terminou em 2008. Segundo fonte militar, 300 combatentes tuaregues (o maior contingente de tuaregues que voltou da Líbia após a queda de Muammar Gadafi) foram colocados junto ao exército nas áreas de Kidal, Tessalit e Gao, todas no norte.

Esses combatentes, da comunidade tuaregue dos “imghad” (pastores), foram colocados sob comando do coronel Elhadj Gamou, um tuaregue que se uniu ao exército de Mali segundo os termos de um acordo de paz que, em 1992, acabou com um levante na mesma região. No dia 3 de dezembro, bem antes do último levante, dois representantes dessa comunidade – coronel Waqqi Ag Ossad e o comandante Inackly Ag Back – se reuniram com o presidente e informaram que seu grupo estava pronto para depor armas e servir ao Estado.

Segundo Cheikna Hamalla Sylla, jornalista radicada em Bamako, a presença dos soldados imghad é o motivo pelo qual se adiou até agora um ataque contra o principal objetivo dos rebeldes, a cidade de Kidal. Várias fontes indicam que a rebelião obedece ao regresso em massa de tuaregues armados que faziam parte do derrotado exército de Gadafi. O regime interino líbio não controla as fronteiras e foi incapaz de desarmar estes homens antes que retornassem ao seu país. Alguns deles, descontentes por sua situação e falta de perspectivas ao regressar a Mali, acenderam a chama do novo levante. Diferentes meios de comunicação informam que estão bem armados.

Apesar das contínuas operações militares contra os rebeldes, Touré disse que seu governo não adiará as eleições presidenciais previstas para 29 de abril. Segundo Dioncounda Traoré, presidente da Assembleia Nacional e candidato nestas eleições, o mandatário se comprometeu a fazer o necessário “para se retirar no dia 8 de junho, segundo a Constituição, após organizar eleições livres e transparentes”.

Os dirigentes políticos querem que o governo realize um fórum de paz e reconcializção entre 17 e 19 deste mês, e pediram às autoridades que solicitem aos governos de Argélia, Burkina Faso, Mauritânia e Níger ajuda para iniciar um diálogo. Também querem que o governo apele para destacadas figuras tuaregues e árabes que se mudaram para países vizinhos, e aos embaixadores de França, Estados Unidos e União Europeia, para que apoiem a criação de um fórum de paz e reconciliação. O governo da Argélia acolheu, no início deste mês, conversações entre representantes de Mali e líderes tuaregues, que até agora não deram resultados. Envolverde/IPS