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Seca e desnutrição devastam a Mauritânia

Doze milhões de pessoas sofrerão insegurança alimentar severa e fome no Sahel. Foto: Kristin Palitza/IPS

Nouakchot, Mauritânia, 15/2/2012 – Os gêmeos mauritanos Hussein e Hassan, de oito meses, sofrem desnutrição desde que nasceram. A mãe, Mariem Mint Ahmedou, não produz leite suficiente para alimentá-los. A mulher segura contra seu corpo os fracos bebês, sentada de pernas cruzadas sobre um tapete gasto de sua precária moradia.  “Como não choveu, não tivemos colheita. Compramos arroz a crédito, mas não tem carne, e praticamente não existe leite. Às vezes passamos noites sem comer”, contou Ahmedou. Situação semelhante sofre a maioria dos moradores de sua aldeia.

Ahmedou vive em Douerara, pequena localidade a 800 quilômetros de Nouakchot, capital do país, em meio a uma paisagem de areia e solo rochoso, no fundo do Sahel. Uma seca destruiu a maior parte da colheita na região e devastou o país por vários meses, fazendo com que as populações rurais ficassem sem alimento no começo deste mês, quase meio ano antes de chegarem as próximas chuvas, se é que virão.

Além da Mauritânia também foram afetados outros países do Sahel, uma zona árida localizada entre o Deserto do Saara, no norte da África, e as savanas do Sudão, ao sul. São eles: Burkina Faso, Chade, Mali, Níger e as regiões do norte de Camarões, Nigéria e Senegal. Doze milhões de pessoas sofrerão insegurança alimentar severa e fome nesta região, alertam várias agências humanitárias.

A Mauritânia, com as menores reservas de água potável do mundo, é uma das nações mais afetadas. Um terço de sua população já corre o risco de sofrer fome. “A situação é muito grave, especialmente para as crianças pequenas”, informou a nutricionista Khadijettou Jarboue, que trabalha em um centro de saúde em Kiffa, pequena localidade do sudoeste. A cada dia mais e mais famílias fazem fila na porta da clínica em busca de ajuda. “Estou muito preocupada pelo rápido aumento de casos de crianças severamente desnutridas que vemos”, lamentou Jarboue, enquanto pesava e media uma menina de 21 meses chamada Khadjetm.

A mãe da pequena, M’Barka Mint Salem, a levou ao centro de saúde saindo de sua aldeia de El-Majba, a 45 quilômetros de distância. Quando a nutricionista colocou uma fita plástica de três cores em volta do antebraço da menina, a faixa ficou vermelha, o que significa desnutrição severa. “Estou muito preocupada. Não temos leite nem alimentos. A cada semana nos esforçamos mais para sobreviver. E não somos as únicas. Há muitas meninas e meninos desnutridos em nossa aldeia”, contou a mãe.

As crianças são as mais vulneráveis, e, em geral, são as primeiras vítimas. Em uma crise alimentar, podem morrer até 60% dos menores desnutridos, mas este ano esse número poderá ser maior porque a região ainda não se recuperou da séria seca de 2010. “O Sahel é uma região em permanente crise, que enfrenta insegurança alimentar crônica”, explicou Felicité Tchibindat, assessora regional sobre temas de nutrição na África ocidental e central para o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Mesmo em um ano “normal”, metade de todos os menores de cinco anos sofre desnutrição crônica no Sahel, acrescentou.

As estatísticas a respeito de desnutrição infantil severa ultrapassam o limite de 10% que para o Unicef define uma emergência. Para este ano, esta agência das Nações Unidas prevê que a situação vai piorar. “Cada comoção adicional empurra para a beira do penhasco as vidas de centenas de milhares”, alertou Tchibindat. A ONU rotulou a seca deste ano como “a pior em décadas”. Os preços dos alimentos triplicaram na Mauritânia e em outros países do Sahel, enquanto o preço do gado – principal valor na região – caiu rapidamente quando o pasto começou a secar. Ao lado das estradas jazem esqueletos de vacas que morreram de fome ou sede.

“Este ano será excepcionalmente difícil”, alertou Cheik Abdahllahi Ewah, governador da região de Hodh el Gharbi, uma das mais afetadas da Mauritânia. “A falta de chuva na última temporada foi como uma sentença de morte para nosso povo. Existe uma urgente necessidade de intervenção”, afirmou. “Estamos apenas em fevereiro e as pessoas já sofrem necessidades desesperadoras. Me preocupa muito o quanto será ruim a situação em junho, ponto máximo da temporada seca”, ressaltou.

Em um depósito de grãos na aldeia de Legaere, o gerente de reservas, Jeddou Ould Abdallahi, observa impotente as poucas sacas de milho e trigo empilhadas contra a parede coberta de cal. Não há como serem suficientes para alimentar centenas de pessoas em aldeias vizinhas até a próxima colheita, em setembro. “Estamos à beira de uma epidemia de fome. A saúde da população deteriora rapidamente”, alertou. Desde 2000, as colheitas caíram continuamente, pois chove menos, disse Abdallahi, acrescentando que a persistente falta de água torna cada vez mais difícil sobreviver. A crise deste ano é pior do que outras secas que Abdallahi, de menos de 50 anos, pode recordar.

A poucos quilômetros dali, toda uma aldeia correu para as plantações comunitárias de milho para proteger os poucos pés que sobreviveram ao ataque de bandos de pássaros, também desesperados em busca de alimentos. Mulheres e crianças gritavam e jogavam pedras contra as aves, enquanto outros envolviam em tela cada pé de milho. Porém, foi inútil. “Os pássaros já haviam comido a maior parte da colheita. Este cultivo é tudo o que temos. Todo nosso árduo trabalho foi para nada”, lamentou o agricultor Zeidan Ould Mohammed. “Me preocupo com a sobrevivência da minha família. No final, só podemos esperar pela morte”, lamentou. Envolverde/IPS