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Mulheres ausentes das finanças climáticas

 

Os esquemas para financiar a luta contra a mudança climática foram concebidos sem considerar as mulheres, afirma Liane Schalatek. Foto: Cortesia Liane Schalatek

Nações Unidas, 5/3/2012 – Se os fundos para combater a mudança climática não considerarem as mulheres, os fins para os quais estão destinados podem se desvirtuar e “acabar prejudicando ou discriminando a população feminina”, disse à IPS a diretora-adjunta da Fundação Heinrich Böll na América do Norte, Liane Schalatek. O Fundo Verde para o Clima, que deveria ter US$ 100 bilhões anuais procedentes das nações ricas, até 2020, pode ser “uma forma importante de assegurar que haja igualdade na resposta multilateral à mudança climática”, sugeriu.

A maior parte das finanças climáticas está desprovida de uma perspectiva que considere as necessidades e realidades particulares das mulheres diante da ameaça do aquecimento global, ressaltou Schalatek. Junto ao Oversees Development Institute, a Fundação Heinrich Böll monitora os 25 fundos climáticos mais importantes (o Climate Funds Update), rastreia quem compromete qual contribuição, quanto desembolsaram os doadores e para onde se dirigem as finanças climáticas.

Schalatek conversou com a IPS durante a 56ª sessão da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher, que acontece até o dia 9, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU).

IPS: A senhora afirma que a perspectiva de gênero não é considerada nos fundos climáticos existentes. Pode explicar melhor este conceito?

Liane Schalatek: Vários dos já existentes, por exemplo, o fundo para os Países Menos Adiantados ou o Fundo Especial para a mudança climática, que abordam a adaptação e são administrados pelo Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) funcionam há mais de dez anos. Outros, como os Fundos de Investimento Climático do Banco Mundial ou o Fundo de Adaptação do Protocolo de Kyoto, operam apenas desde 2008-2009. Naquele momento, o debate de gênero e mudança climática era raro, ainda não se havia chegado a esta temática, e era preciso que este financiamento específico fosse mais sensível aos assuntos de gênero. Este é um tema bastante novo no próprio discurso das finanças climáticas mundiais. Porém, já há vários anos que funcionam esses fundos, e, com os primeiros projetos e programas que foram implantados, se deram conta de que sem considerações de gênero seu financiamento é menos efetivo e menos equitativo. Sua experiência confirmou a das finanças para o desenvolvimento: colocar o foco na igualdade de gênero foi uma contribuição fundamental para obter melhores resultados.

Um resultado melhor das ações climáticas é particularmente importante em tempos de escassa disponibilidade de financiamento público. Ao incluir algumas disposições de gênero com retroatividade, por exemplo, critérios de consulta que estipulem como chegar às mulheres enquanto grupo especial, ou a inclusão de uma análise de gênero nas propostas de projetos, os conselhos e administradores dos fundos têm maiores possibilidades de beneficiar mais gente nos países em desenvolvimento. No entanto, incluir retroativamente algumas disposições nos mecanismos de financiamento não é o mesmo que desenhá-los de modo a melhorarem a igualdade de gênero nos países receptores, com benefício colateral de financiar ações climáticas. Um fundo climático incluiria, então, a igualdade entre homens e mulheres como um dos objetivos de suas ações, apostaria em um equilíbrio de gênero nos órgãos que os governam, asseguraria que entre seu pessoal houvesse especialistas em temas de gênero, teria pautas operacionais e de financiamento que estipulariam a inclusão de indicadores de gênero em qualquer proposta de projeto e, ainda, controlaria os benefícios colaterais da igualdade de gênero como parte dos resultados. Até agora, nenhum fundo climático existente conseguiu semelhante integração.

IPS: Quais as consequências de os fundos climáticos não incorporarem uma perspectiva de gênero?

LS: Se o financiamento de medidas de mitigação e adaptação não é sensível ao gênero, as ações que são tomadas em nome da proteção climática podem terminar prejudicando ou discriminando as mulheres (ao violar seus direitos humanos). Também é provável que sejam menos efetivas em matéria de resultados duradouros. Por exemplo, na África subsaariana as mulheres ainda são as principais produtoras agrícolas: representam 80% da produção de alimentos da família. Como as mulheres possuem pouca terra para trabalhar, normalmente são excluídas dos processos de consultas formais para determinar as necessidades adaptativas das comunidades rurais, e não podem obter créditos ou outros serviços de extensão agrícola. Em tempos de insegurança alimentar – agravada pela extrema variabilidade meteorológica – mulheres e meninas recebem menos alimentos pelas prioridades de distribuição baseadas no gênero que reinam nas famílias. Para serem efetivos, as políticas e o financiamento da adaptação e os programas agrícolas na África têm que considerar a dinâmica de gênero implícita na aquisição e distribuição de alimentos dentro das famílias e dos mercados. Sem lentes sensíveis ao gênero, os instrumentos de financiamento climático para a adaptação da África podem exacerbar a discriminação e a desigualdade.

IPS: A senhora cita o Fundo Verde para o Clima como uma particular promessa de mudar a tradição em matéria de financiamento climático. Por que?

LS: Nos documentos que o regem, o Fundo Verde já tem várias referências a um enfoque de gênero, por exemplo, integrando o equilíbrio de gênero como objetivo de seu conselho diretor e do pessoal de sua secretaria. E, o que é mais importante, estipula entre seus objetivos e princípios que promover a perspectiva de gênero deve ser considerado um “benefício colateral” explícito de todo financiamento que o Fundo Verde entregar. Isto já é mais do que qualquer outro fundo climático existente já integrou. Naturalmente, o desafio é garantir que estas palavras se traduzam em medidas concretas, por exemplo, indicadores de gênero e pautas de participação inclusivas para homens e mulheres. A situação não é tão ruim: cresceu o grau de consciência dos governos, tanto dos países contribuintes como dos receptores, sobre a relevância de considerar homens e mulheres quando se enfrenta a mudança climática. Envolverde/IPS