Genebra, Suíça, 15/3/2012 – A batalha iniciada há mais de uma década por organizações camponesas em todo o mundo poderá conseguir este mês uma importantíssima vitória: o Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) estuda um projeto de declaração para consagrar suas reivindicações. “A ideia de uma declaração internacional sobre os direitos dos camponeses vem de nós mesmos, porque muitos pequenos agricultores não têm acesso a terras, trabalho, água ou sementes”, disse à IPS o coordenador-geral da Via Camponesa, Henry Saragih.
A organização representa mais de 200 milhões de pequenos e médios produtores, trabalhadores rurais, camponeses sem terra, migrantes e indígenas em todo o mundo. Para o ativista indonésio, a declaração pode significar a primeira vitória em uma luta que dura mais de uma década. O Conselho de Direitos Humanos da ONU analisa um estudo feito por seu Comitê Assessor que recomenda a elaboração de um novo instrumento legal internacional sobre os direitos dos camponeses.
O estudo inclui um rascunho de declaração, que foi discutido no dia 13, sobre o qual o órgão debaterá nos dias 22 e 23 deste mês. Este instrumento seguirá o modelo da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, tomada como exemplo também por algumas constituições nacionais e tribunais locais. “Trouxemos a Genebra o tema dos direitos dos camponeses em 2001”, contou Saragih.
“Recebemos a compreensão de alguns governos, de organizações não governamentais como a Cetim (Centre Europe Tiers-Monde) e a Fian (Combatendo a Fome com os Direitos Humanos), do especialista Christophe Golay e do ex-relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, Jean Ziegler, bem como de seu sucessor Olivier De Schutter”, destacou Saragih. “E, desde a crise alimentar de 2008, o mundo ficou mais sensível aos problemas do pequeno agricultor”, acrescentou.
Por sua vez, o diretor da Cetim, Melik Özden, disse à IPS que “hoje, quase um bilhão de pessoas no mundo sofrem fome e desnutrição. Entre elas, 80% vivem em áreas rurais, e 50% pertencem a famílias de agricultores”. Özden criticou “a falta de reformas agrárias e de ajuda às famílias camponesas, o deslocamento de agricultores, o confisco de sementes por parte de corporações transnacionais, por meio da aplicação de direitos de propriedade intelectual e a criminalização de ativistas e líderes camponeses”. Nos últimos anos, a aquisição de terras em grande escala por governos estrangeiros e empresas transnacionais, a produção maciça de agrocombustíveis e a especulação nos mercados de produtos agrícolas pioraram significativamente a vida dos camponeses.
“Ano após ano, a Via Camponesa alerta o Conselho de Direitos Humanos sobre as violações dos direitos dos camponeses, seu limitado acesso à justiça na maioria dos países, e a escassez de mecanismos para se queixarem em nível internacional”, disse à IPS o autor dos primeiros rascunhos do estudo e da declaração, Christophe Golay. “Alguns direitos importantes não constam de nenhum instrumento disponível, com o direito à terra, às sementes, ao conhecimento agrícola tradicional e à liberdade de determinar os preços dos produtos”, acrescentou.
Africa Mthombeni, do Movimento de Pessoas Sem Terra (LPM) na África do Sul e também membro da Via Camponesa, está convencido de que uma declaração seria um importante avanço. “O Conselho de Direitos Humanos é um fórum intergovernamental que guia as políticas nacionais, e uma declaração dos direitos dos camponeses obrigaria os governos a levá-los a sério”, acrescentou à IPS.
“A reforma agrária na África do Sul é muito lenta”, disse Mthombeni. “Por isso, a pobreza e o desemprego são muito altos. A maior parte de nossa gente vive de benefícios sociais. A questão da terra na África do Sul evoluiu de forma insignificante desde o fim do apartheid (sistema oficial de segregação racial em prejuízo da maioria negra), e mais de 30 milhões de pessoas ainda estão sem terras”, afirmou. Segundo Mthombeni, cem produtores comerciais e grandes corporações possuem 80% da terra cultivável em seu país. As comunidades tradicionais possuem apenas 13% das terras aráveis sul-africanas. E, de 1994 até agora, somente foram repartidos 7% das propriedades agrárias, apesar da promessa governamental de chegar a 30% até 2014.
Embora a maioria dos países em desenvolvimento pareça estar a favor de uma declaração (particularmente Bolívia, Cuba, Indonésia, África do Sul e Venezuela), muitas nações do Norte industrial se mostram céticas, quando não abertamente contra. Enquanto esses países dizem oficialmente que “não há necessidade” de um novo instrumento, as organizações não governamentais acreditam que o mundo industrializado está assustado pelas implicações do conteúdo do rascunho elaborado pelo Comitê Assessor.
Especialmente pelas cláusulas que reconhecem a prerrogativa de rejeitar os direitos de propriedade intelectual que as corporações transnacionais se atribuem sobre recursos naturais, como as sementes. A Organização Mundial do Comércio também declarou sua oposição à declaração, já que refletiria um modelo de agricultura dificilmente compatível com o atual sistema comercial “livre”. O resultado da discussão ainda é incerto.
Jean Feyder, embaixador de Luxemburgo na ONU, considera “muito importante apoiar os pequenos agricultores, por tanto tempo marginalizados. Assim, ficaremos muito satisfeitos se pudermos reunir um grupo de países de todos os continentes que apoiem a proposta do Comitê Assessor e cheguem a um acordo: ou formam uma equipe de trabalho para redigir a declaração ou designam um relator especial sobre os direitos dos camponeses”, acrescentou.
“Esta declaração é muito importante para nós”, concluiu Saragih. “Nos ajudará a controlar o respeito dos países aos direitos dos camponeses. Muitas instituições internacionais repetem uma e outra vez: para alimentar o mundo necessitamos apoiar os pequenos agricultores”, afirmou. Envolverde/IPS
