Arquivo

Vítimas esquecidas à espera de justiça

Os destroços da guerra são visíveis no distrito de Abu Salim, em Trípoli. Foto: Karlos Zurutuza/IPS

Washington, Estados Unidos, 21/3/2012 – A Anistia Internacional pediu que sejam investigadas as mortes de civis causadas pela intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) na Líbia no ano passado. O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) prevê divulgar esta semana uma resolução sobre esse país. “É profundamente desanimador que, após quatro meses de terminada a campanha militar, as vítimas e as famílias das pessoas assassinadas pelos ataques aéreos da Otan continuam sem saber o que ocorreu nem quem são os culpados”, queixou-se Donatella Rovera, pesquisadora do capítulo norte-americano da Anistia Internacional.

“Funcionários da Otan reiteraram seu compromisso de proteger os civis. Agora não podem banalizar a morte de dezenas de pessoas com declarações vagas de arrependimento e sem investigar, como deve, os incidentes mortais”, acrescentou Rovera em um comunicado divulgado no dia 15. A divulgação do informe coincide com os pedidos de vários países de uma intervenção militar na Síria, semelhante à ocorrida na Líbia.

Após entrevistar testemunhas e familiares das vítimas, os investigadores da Anistia concluíam que 55 pessoas, entre elas 16 crianças, morreram durante a campanha militar, e ninguém recebeu uma indenização e nem mesmo uma promessa de investigação rigorosa da parte de funcionários da Otan e nem do Conselho Nacional de Transição da Líbia.

A maioria das mortes foi registrada durante os bombardeios diretos contra áreas residenciais onde “a Anistia Internacional, especialistas da ONU, organizações não governamentais e vários jornalistas não encontraram provas de objetivos militares no momento do ataque”, diz o informe. “A intervenção militar da Otan na Líbia, iniciada em 19 de março de 2011 e que durou sete meses, contou com 9.700 missões de combate e destruiu cerca de cinco mil objetivos militares”, segundo fontes da aliança atlântica.

China e Rússia, dois membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU que não aprovam a justificativa nem a eficácia de uma intervenção militar na Síria, se abstiveram, em março de 2011, de votar a favor da operação da Otan na Líbia.

O informe da Anistia, organização não governamental com sede em Londres, questiona a decisão da Otan de se negar a investigar as mortes na campanha militar, ainda que seu mandato para realizar operações na Líbia tenha terminado em outubro de 2011. Também criticou sua negativa em divulgar informação detalhada sobre os ataques em que morreram civis e que já deveria ter sido compilada.

Funcionários da aliança militar responderam às consultas da Anistia por carta. “A Otan fez todo o possível para minimizar os riscos para a população civil em uma complexa operação militar na qual não podiam ser reduzidos a zero. A Otan lamenta profundamente qualquer dano que possa ter causado pelos ataques aéreos”, diz a carta. “A resposta da Otan equivale a não assumir suas ações. Deixa as vítimas e suas famílias se sentindo esquecidas e sem recurso à justiça”, ressaltou Rovera.

A Comissão Internacional de Investigação sobre a Líbia, da ONU, divulgou no começo deste mês um exaustivo informe sobre crimes de guerra e contra a humanidade que ocorreram antes e depois da resolução do Conselho de Segurança de março de 2011, na qual habilita a tomar “todas as medidas necessárias para proteger a população civil”. “Em limitadas ocasiões, a Comissão confirmou a existência de vítimas civis e descobriu objetivos sem evidência de serem instalações militares. A Comissão não pôde tirar conclusões sobre estes episódios com base na informação oferecida pela Otan e recomenda mais investigações”, escreveram os autores do informe.

A organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, elogiou o documento, especialmente a conclusão de que os “crimes internacionais, especialmente os crimes contra a humanidade e de guerra, foram cometidos pelas forças de Gadafi na Líbia”. Também concordou que é apropriado realizar mais investigações sobre as operações da Otan. O coronel Muammar Gadafi, líder da revolução líbia, governou com mão de ferro seu país desde 1969 até sua morte, encurralado pelos rebeldes em Sirte, último reduto do regime, e assassinado em 20 de outubro de 2011.

“A Human Rights Watch pede à Otan que investigue os casos de civis mortos na Líbia durante seus ataques na campanha do ano passado”, diz um comunicado divulgado na semana passada pela organização. “A Otan tomou amplas medidas para minimizar a quantidade de vítimas civis e o número foi relativamente baixo. Mas isto não a exime de sua obrigação legal de investigar os casos questionáveis. Também deveria indenizar as vítimas civis de sua campanha”, acrescenta.

O informe da Anistia destaca a possível infração às normas do direito internacional humanitário contemplado nas Convenções de Genebra, de 1949, e em seus protocolos adicionais, de 1977. “Muitas das normas específicas incluídas nesses tratados fazem parte do direito internacional humanitário e são vinculantes a todas as partes de qualquer conflito armado, inclusive as organizações rebeldes. A violação de muitas dessas disposições podem constituir crimes de guerra. Todos os princípios e normas mencionados neste comunicado fazem parte do direito internacional e devem ser respeitadas por todas as partes envolvidas em conflitos armados”, destaca a Anistia.

A missão da Otan terminou oficialmente há vários meses, mas o Conselho de Segurança da ONU votou na semana passada ampliar sua participação para dar assistência na transição com “um compromisso rumo à democracia, à boa governança, ao respeito à lei, à reconciliação nacional e ao acatamento dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”. Envolverde/IPS