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Lei antidiscriminação está perto após ataque homofóbico

Santiago, Chile, 22/3/2012 – “Não temos motivo para viver com medo se somos cidadãos e cidadãs do Chile, votamos e trabalhamos. Porém, estamos cada dia mais temerosas de sermos agredidas”, reconhece Carla Oviedo, de 33 anos, vítima de discriminação por sua orientação sexual. Após sete anos trabalhando em uma empresa do ramo alimentício, Carla enfrentou um dos piores momentos de sua vida em 2010, quando seus companheiros de trabalho, na maioria homens, ficaram sabendo de sua orientação sexual.

“Então começaram as brincadeiras e ameaças, espalharam a notícia de que eu era lésbica por toda a empresa, e todos ficaram sabendo de algo que era íntimo. Me chamavam de Carlos, me agrediam e insultavam”, contou à IPS. E o assédio foi ainda mais longe. “Um dia entrei em um veículo da empresa junto com um supervisor. Ele pegou minha mão e colocou entre suas pernas enquanto me perguntava como eu podia não gostar daquilo. Foi terrível”, recordou.

Pouco tempo depois foi demitida sem motivo aparente, sem explicações e nem indenização pelos anos trabalhados. Carla recorreu ao Movimento de Integração e Liberação Homossexual (Movilh) para apresentar queixa na justiça do trabalho, que culminou com um acordo econômico compensatório, mas sem punição para a empresa.

Casos como este são vividos diariamente no Chile, onde prevalecem posturas conservadoras a ponto de, até há 13 anos, ainda se castigar como prisão as relações sexuais entre homens adultos. Hoje, 22 anos depois de recuperada a democracia, os movimentos pelos direitos de gays, lésbicas, transexuais, transgêneros e bissexuais lutam por uma lei antidiscriminação que acabe com décadas de abusos.

O Informe Anual de Direitos Humanos da Diversidade Sexual no Chile indica que os casos e as denúncias por homofobia e transfobia aumentaram 34% em 2011, com relação ao ano anterior, com um total de 186, sendo três deles assassinatos. Um projeto de lei que estabelece medidas contra a discriminação, apresentado em 2005, está pronto para iniciar seu terceiro e último trâmite na Câmara de Deputados, uma instância crucial para os ativistas que buscam repor artigos que foram “cerceados” por grupos conservadores em sua análise no Senado.

“Trata-se do ponto que protegia os direitos da diversidade sexual que paralisou a discussão no Congresso”, contou à IPS o presidente do Movilh, Rolando Jiménez, que agora pede a formação de uma comissão que reponha os artigos eliminados e complete a lei tal qual ela foi apresentada. A previsão é que em quatro meses o projeto estará pronto para ser promulgado, depois que o Poder Executivo, em um ato que surpreendeu, atribuiu extrema importância à sua tramitação.

Contudo, o que motivou o governo a acelerar um projeto que está há sete anos no parlamento e ao qual grande parte de sua coalizão se opõe? A razão foi um dos ataques mais brutais a uma pessoa homossexual já vistos neste país. Na manhã do dia 3, Daniel Zamudio, de 24 anos, entrou na Posto Médico Central de Santiago com traumatismo encefálico craniano grave, hemorragia, lesões múltiplas na face, no tórax e nas extremidades, e fratura exposta da tíbia e do perônio. Zamudio foi torturado durante quase seis horas por quatro jovens ligados a grupos neonazistas, que o atacaram  apenas por ser homossexual.

Um dos acusados, Raúl López, afirmou em seu depoimento que pegaram Zamudio com “chutes, socos na cabeça, no rosto, nos testículos, nas pernas, por todo seu corpo”. Depois marcaram três cruzes suásticas com um caco de uma garrafa de pisco que minutos antes haviam quebrado em sua cabeça.

“Daniel Zamudio foi vítima de uma sociedade que não respeita, não se preocupa e que dá rédea solta a grupos como o que o atacaram. Por isto, lutamos por uma lei antidiscriminação, pois não pode uma pessoa inocente ser massacrada por uma condição que é própria”, questionou Carla Oviedo. Os quatro acusados deste brutal ataque foram detidos no dia 9 e esperam em prisão preventiva o desenvolvimento da investigação judicial, enquanto a vítima se debate entre a vida e a morte.

Para alguns, apenas um caso como este seria capaz de sensibilizar transversalmente todo o país sobre a urgência de uma lei antidiscriminação. “Com Daniel se catalisou um senso comum majoritário que cada vez mais é contundente, que é o rechaço à violência, seja esta por orientação sexual, por incapacidade ou por origem étnica”, afirmou Jiménez.

O ativista destacou que um dos acordos centrais do projeto de lei estabelece as categorias da discriminação. “Enumera taxativamente uma série de motivos pelos quais não se permitirá discriminação arbitrária e, portanto, é uma grande conquista do movimento a respeito de uma lei que fica aberta para serem incorporadas outras causas”, acrescentou Jiménez, que também disse que se prevê um mecanismo jurídico específico para combater a discriminação, que faculta aos afetados apresentar uma ação perante o juiz penal.

Contudo, Jiménez reconheceu que a futura lei pode ser a melhor do mundo, mas não resolve sozinha os problemas de discriminação. “Isto tem a ver com uma mudança cultural profunda na sociedade chilena, com o aprofundamento democrático, tem a ver com uma nova institucionalização, uma nova Constituição e outras coisas mais”, assinalou. No entanto, destacou que a lei, uma vez melhorada, será um sinal forte do ponto de vista político e jurídico.

Enquanto isso, Carla Oviedo luta para vencer o medo e evitar que apareçam mais vítimas de discriminação. “Levo uma vida bastante normal. Lavo o quintal, coloco o lixo fora, pago as contas, e que sejamos felizes eu e minha companheira. Apenas quero caminhar livre e tranquila, sem medo de ser agredida pelo fato de demonstrar amor”, concluiu. Envolverde/IPS