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Muçulmanos temem estigmatização após assassinatos

Marine Le Pen, presidente da ultradireitista Frente Nacional. Foto: A. D. McKenzie/IPS

Paris, França, 26/3/2012 – “O matador se foi e agora nós sofreremos as consequências”, disse à IPS um comerciante muçulmano ao comentar a morte do suspeito de assassinar sete pessoas na França em três episódios separados. Mohammad Merah, de 23 anos, foi morto pela polícia na cidade de Toulouse no dia 22 pela manhã, após saltar pela janela do apartamento fugindo dos disparos da força de elite que o manteve cercado por mais de um dia, segundo a versão oficial. Seu suposto ato de violência colocou novamente os muçulmanos franceses sob mira e aumentou o risco de estigmatização.

A presidente do partido de extrema direita Frente Nacional, Marine Le Pen, foi uma das primeiras a criticar vivamente o “fundamentalismo islâmico” e insistir em que tem razão quando alerta para o perigo. “Há dez anos venho alertando que o risco do fundamentalismo islâmico está subestimado na França”, declarou em entrevista coletiva aos jornalistas estrangeiros no dia 22. Le Pen segue com sua campanha para as eleições presidenciais francesas, cujo primeiro turno será no dia 22 de abril e o segundo em 5 de maio. “Merah tinha um perfil típico. Esteve várias vezes detido, tinha várias acusações, se comportava como um praticante radical e viajou para treinamento no Afeganistão”, acrescentou.

As autoridades acusavam Merah, que era cidadão francês de origem argelina, de ser o autor do assassinato de um rabino de 30 anos e de seus dois filhos menores, e de uma menina de oito anos, no dia 19, na escola de Ozar Hatorah, na cidade de Toulouse. Também era apontado como responsável por deixar gravemente ferido um jovem de 17 anos que precisou ser hospitalizado. E, no começo deste mês, o suspeito teria matado três soldados franceses em dois episódios separados, e ferido um quarto. Os três militares tinham ascendência do norte da África, e o ferido do Caribe, segundo a imprensa.

As cerimônias fúnebres dos militares foi no dia 21 na França e a das vítimas judias no mesmo dia em Israel. A primeira teve participação do presidente francês, Nicolas Sarkozy, e a segunda do chanceler Alain Juppé, enquanto a polícia mantinha cercado o apartamento de Merah, em uma operação que durou 32 horas. Merah reconheceu pertencer à rede extremista Al Qaeda e teria dito à polícia que quis “vingar” a morte de crianças palestinas por Israel. Após os disparos na escola, Sarkozy interrompeu de forma temporária sua campanha à reeleição, que reiniciou no dia 22 com os mesmos argumentos de Le Pen. Disse que a França tomaria duras medidas contra o “doutrinamento islâmico”.

Le Pen afirmou que “é preciso declarar guerra ao fundamentalismo religioso”. Disse, ainda, que “não teme em nada” que suas palavras possam estigmatizar a comunidade muçulmana. “Lançamos um chamado para que lutem conosco”, destacou, acrescentando que os próprios muçulmanos costumam ser as “primeiras vítimas” do radicalismo. “São vítimas dos que ameaçam as mulheres e as jovens porque não usam véu”, apontou.

No começo, a imprensa francesa especulou que os assassinatos poderiam ser obra de grupos neonazistas. Segundo Le Pen, foi uma artimanha para manchar a Frente Nacional. “Não me senti aliviada por não ser responsabilidade de grupos neonazistas porque não tenho nada a ver com essa ideologia nem de perto nem de longe”, protestou. E criticou que se rotule seu partido de extrema direita, se descrevendo como uma “candidata patriótica”.

No entanto, os hábitos alimentares dos muçulmanos foram tema de sua campanha eleitoral, pois denunciou que milhões de franceses consumiram carne “halal” sem saber. O ritual de matar animais para a produção de carne kosher e halal se tornou outro assunto de divisão na França, após uma lei que proibiu o uso da burca e de qualquer vestimenta que cubra o rosto das mulheres. Alguns analistas disseram que o debate sobre a carne halal foi uma forma de conseguir votos apontando para os cinco milhões de muçulmanos da França. Líderes de várias organizações religiosas uniram-se para denunciar essa política evidente.

A Conferência dos Responsáveis por Cultos da França (CRCF) divulgou, na segunda semana de março, uma declaração na qual protesta contra a “instrumentação” da religião no debate democrático. A CRCF inclui representantes cristãos, muçulmanos, judeus e budistas. A organização disse que não revisará a “polêmica sobre os problemas da estigmatização” quanto às práticas religiosas alimentares, mas que deseja que a campanha eleitoral se concentre nos diferentes desafios que o país tem, como educação, emprego, pobreza e unidade nacional.

Após o tiroteio do dia 19, o Conselho de Igrejas Cristãs da França disse que “compartilha a dor da comunidade judia” e que espera que os incidentes de “extrema violência não destruam a harmonia” entre as diferentes comunidades residentes neste país. “Que a concordância permaneça firmemente arraigada nos valores de respeito e fraternidade, que são os fundamentos da sociedade francesa”, afirmou uma declaração assinada pelos respectivos líderes da Federação Protestante da França, da Conferência de Bispos Católicos e da Assembleia de Bispos Ortodoxos da França.

Nadjia Buzeghrane, chefe do escritório em Paris do jornal argelino El Watan, declarou à IPS que a França “tem um problema” com o Islã por seu passado colonialista. “A maioria dos muçulmanos é pacífica e pratica sua religião em paz. A violência não reflete o que pensam. Além da busca da alma, a França deveria observar suas políticas de integração”, afirmou. Um comerciante de origem marroquina e morador de Paris que não quis se identificar contou à IPS que muitos muçulmanos se sentem incomodados na França e que os assassinatos apenas exacerbarão esses sentimentos.

Sarkozy se reuniu com organizações judias e muçulmanas que fizeram um chamado pela unidade. Dalil Bubakeur, reitor da Grande Mesquita de Paris, condenou a matança e disse que os muçulmanos estão “surpresos, repugnados, entristecidos e preocupados pelas ações criminosas. E que não se deve misturar os assassinatos com o Islã”. O Grande Rabino da França, Gilles Berheim, disse que o “monstro” que cometeu os crimes queria que as comunidades judias e muçulmanas se declarassem em guerra, e pediu urgência aos políticos para não tentarem capitalizar os incidentes em benefício próprio. Por sua vez, Le Pen disse que é responsabilidade dos franceses muçulmanos rejeitar o fundamentalismo islâmico e mostrar que defendem os valores deste país. Envolverde/IPS