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O Mar de Aral com dois destinos

Um barco abandonado no que já foi parte do mar de Aral. Foto: Domínio público.

Tashkent, Uzbequistão, 27/3/2012 – A história do Mar de Aral, na Ásia central, tem um final incerto: enquanto o Cazaquistão aposta em uma solução da crise ambiental, o Uzbequistão parece dirigir-se a uma tragédia. Este lago ou mar interior localizado entre esses dois países diminuiu de forma drástica desde que, nos anos 1960, seus principais rios tributários foram desviados para irrigar plantações. Também foi afetado por atividades industriais, lançamento de resíduos químicos e testes com armamentos.

Contudo, moradores de localidades do Cazaquistão ao longo da costa norte do lago, entre elas a de Aralsk, apresentam um cauteloso otimismo. Durante duas gerações viram como o Mar diminuía e a economia local paralisava. Nos últimos tempos, o governo nacional adotou medidas que estabilizaram os níveis da água, ajudando as comunidades pesqueiras locais a se recuperarem lentamente. Entretanto, na costa do Uzbequistão, ao sul, há poucos motivos de esperança.

Em Muynak, outra localidade pesqueira, os moradores buscam a oportunidade de partir. Dizem que sofrem problemas de saúde pelas tempestades de pó tóxico. Também se queixam de que o governo nada faz para reverter o desastre. Há cinco décadas, o Mar de Aral era o quarto maior lago do mundo. Aralsk e Muynak eram prósperas. Nos anos 1960, no entanto, as autoridades soviéticas desviaram os rios Amu Darya e Syr Darya para irrigar cultivos de algodão e arroz.

Em 1990, o Mar havia diminuído para um décimo de seu volume original e havia se dividido em dois. Alguns especialistas dizem que a parte do Uzbequistão logo secará completamente. As comunidades locais são as que suportam a carga do que é considerado por muitos como o pior desastre ecológico da história causado pelos seres humanos. Os peixes foram aniquilados e os habitantes da região perderam seu sustento.

Com o desaparecimento das águas, só restou terra com sal e químicos tóxicos. Isto produziu uma crise sanitária: a região agora sofre uma epidemia de tuberculose, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, apresenta a maior taxa de mortalidade infantil na Ásia meridional. “Cerca de 70% dos 1,1 milhão de habitantes de Karakalpakstan (região uzbeque autônoma fronteiriça com o Aral) sofrem doenças crônicas: dificuldades respiratórias, febre tifoide, hepatite e câncer de esôfago”, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Dezenas de milhares de pessoas abandonaram a área.

“Todos os dias, os que permaneceram têm que enfrentar tempestades de areia que transportam pesticidas e outras substâncias químicas prejudiciais”, disse uma mulher de Nukus, localidade uzbeque perto do Mar de Aral. Ela precisou abandonar a região quando começou a ter problemas de saúde. Após a dissolução da União Soviética em 1991, a comunidade internacional pressionou os novos Estados da região para que realizassem ações conjuntas destinadas a resolver o problema do Mar de Aral. Em 1993, os cinco países da área formaram o Fundo Internacional para Salvar o Mar de Aral, e prometeram realizar um esforço de resgate.

No entanto, são poucos os acordos obtidos, e o Mar continua diminuindo. Durante sua visita ao Uzbequistão, em abril de 2010, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, exortou “todos os líderes a sentarem juntos em busca de soluções”. Um jornalista radicado em Samarkand, que cobriu o assunto para a televisão estatal uzbeque, afirmou que “muitos funcionários da Ásia central não consideram que o problema seja urgente. Há atritos entre diversos interesses nacionais e isto também é obstáculo para os esforços destinados a salvar o Mar”. Os poucos esforços para resolver a crise do Aral constam de temas mais amplos relacionados com a administração dos recursos hídricos na região, acrescentou o jornalista, que pediu para não ser identificado por medo de represálias por parte do governo.

O Uzbequistão parece não ter interesse em alterar a situação. Pouca água do Rio Amu Darya chega ao Aral, pois é desviada para irrigar uma decrescente produção de algodão, que as autoridades vendem nos mercados internacionais para obter divisas. “Os países rio acima (Quirguistão e Tajiquistão) se mostram reticentes em ajudar. Pensam que o Cazaquistão e o Uzbequistão devem se encarregar do problema porque o lago está em seus territórios”, afirmou o jornalista.

Por outro lado, os esforços do Cazaquistão trazem esperanças. A represa Kok-Aral, uma colaboração entre o governo e o Banco Mundial no valor de US$ 64 milhões, desde 2005 desvia água do Rio Syr Darya para o Mar. O projeto parece estar dando resultado. Enquanto os níveis de água sobem lentamente, a salinidade na parte cazaque do Aral diminuiu cinco vezes e a fauna regressou. Alguns poucos ex-moradores começam a retornar a Aralsk e outras aldeias costeiras.

Apesar de críticos dizerem que o Cazaquistão abandonou nos fatos grandes partes do antigo Mar para salvar apenas uma porção, ambientalistas elogiam a iniciativa e exortam Tashkent a realizar esforços semelhantes. Para quem acredita na imprensa controlada pelo Estado do Uzbequistão, parece que a crise do Mar de Aral recebe uma grande atenção por parte do governo.

Um informe da televisão nacional indicou em janeiro que, na última década, o governo uzbeque investiu cerca de US$ 1 bilhão para salvar o Aral e melhorar as condições de vida dos moradores. Porém, um ambientalista da capital duvida. “Além de lançar algumas campanhas de conscientização pública sobre a necessidade de preservar a água, o governo nada faz de substancial”, afirmou.

Alguns ecologistas estão cada vez mais preocupados porque funcionários em Tashkent favorecem a desertificação da região em torno do Mar. Nos últimos anos, a empresa estatal de gás Uzbekneftegaz explorou depósitos de petróleo e gás no leito do Aral, com apoio da Rússia e de outras nações asiáticas.

Apesar da preocupação dos ambientalistas, as autoridades do Uzbequistão parecem fazer todo o possível para manter a crise fora do olhar público. Em junho de 2011, Elena Urlaeva, uma das poucas ativistas pelos direitos humanos que permanecem na capital uzbeque, visitou Nukus, a maior localidade do país perto do Mar. Após sua viagem fez um informe descrevendo os crescentes problemas de saúde dos moradores e criticando a falta de ação do governo.

No mês seguinte, Urlaeva denunciou ter apanhado da polícia e, em novembro, as autoridades ameaçaram colocá-la em uma prisão psiquiátrica, tática para silenciar dissidentes herdada da era soviética. Uraleva declarou à agência Uznews.net que foi ameaçada por criticar as práticas do governo em Karakalpakstan. “Como resolveremos o problema se nem mesmo podemos discuti-lo publicamente?”, questionou o jornalista de Samarkand. Envolverde/IPS

* Artigo originalmente publicado no EurasiaNet.org.