Abidjã, Costa do Marfim, 27/3/2012 – Dezenas de milhares de meninos e meninas, nascidos durante a guerra civil de oito anos na Costa do Marfim, não têm certidão de nascimento, e fornecer este documento é um dos muitos desafios que as autoridades devem enfrentar. Muitas famílias não levam a sério o registro de bebês. Assim, a falta de dados é um grave problema no centro, norte e oeste do país, onde o Estado esteve ausente entre 2002 e 2010. Na medida em que as crianças avançaram nos estudos surgiram os problemas.
Marcellin Kodjané, de 13 anos, pensou que não poderia continuar com seus estudos. Durante dois anos foi à escola de Yopougon-Kouté, no noroeste de Abidjã, sem poder fazer os exames para prosseguir seus estudos secundários. “Não tinha certidão de nascimento. Meus pais sabiam sobre o registro, mas nasci em uma aldeia da região de Mankono (norte do país e sob controle rebelde) e foi impossível me registrarem”, contou.
“Pude ir à escola e aprender, apesar de não ter o documento. Contudo, eles são necessários para o exame. No ano passado e no anterior, vi como meus colegas apresentavam os seus”, recordou Kodjané. “Éramos seis na sala na mesma situação. Por fim, este ano, nossos professores disseram que decidiram nos deixar fazer os exames, mas dois dos que não tinham a certidão já haviam deixado a escola”, lamentou.
O Ministério da Educação informou que mais de 70 mil estudantes registrados para o ano letivo 2011-2012 não têm documentos em dia e não poderão ter seu certificado da escola primária completa sem a certidão de nascimento.
“No final deste ano meu filho mais velho fará os exames para obter o diploma do curso primário completo, mas não tem certidão de nascimento”, contou Bernard Kapey, professor aposentado de Touleupleu. “Durante a ocupação do oeste pelos rebeldes não existiu administração pública, e por anos não pudemos solicitar nenhum tipo de documento”, esclareceu.
Kapey deverá viajar 600 quilômetros para ir a Abidjã, capital econômica do país, para tentar obter uma certidão de nascimento para seus três filhos, de dez, sete e cinco anos. Estando em Abidjã, aproveitará para cobrar sua aposentadoria, outro sinal de normalização das funções da administração pública. Quando regressar a Touleupleu, irá à sede do distrito para que emitam a certidão para seus filhos. O custo médio que estima é de 500 francos CFA (equivalente a um dólar) cada uma.
Armand Kangah, de 48 anos, deixou seus cultivos de abacaxi no povoado de Maféré, 150 quilômetros a leste de Abidjã, para cuidar da certidão de nascimento de sua filha, de cinco anos, que está no segundo ano escolar. A municipalidade recebeu uma onda de pedidos para emitir certidões de nascimento substitutas. Mais de uma em cada dez crianças das 11 mil de Maféré não têm documentos em regra, segundo o Ministério da Educação. “Me disseram que não demoraria muito. Fico tranquilo por ser gratuito, mas reconheço que fui irresponsável”, disse Kanagh à IPS enquanto esperava para ser atendido. Por uma ou outra razão, muitos pais não cuidaram de obter os documentos de seus filhos.
O conselho de administração de educação da localidade de Man, no oeste, afirmou que 30 mil dos 160 mil alunos carecem de documentos vitais, incluídos cinco mil que farão exames este ano. Em Ferkerssedougou, norte do país, mais de três mil dos oito mil estudantes não têm certidão de nascimento. Em resposta às reclamações de organizações de defesa dos direitos da infância, o presidente Alassane Ouattara declarou, no começo de fevereiro, que as crianças nascidas entre setembro de 2002 e 2010, bem como durante a crise eleitoral de 2010-2011, poderão solicitar sua certidão de nascimento gratuitamente.
“Em colaboração com a justiça e os departamentos municipais importantes pudemos facilitar a emissão de certidões de nascimento em uma operação feita na localidade de Abobo, ao norte de Abidjã”, informou Yama N’gou, presidente da Associação para a Promoção do Direito à Educação, com sede nesta cidade. “O principal problema é que alguns pais não estão bem informados e temos que chegar até eles”, acrescentou.
“No centro, norte e oeste do país, as crianças não foram registradas pela ausência do Estado, mas no sul, simplesmente muitas famílias deixam de lado, como se a certidão não fosse importante”, afirmou Martine Akadia, inspetora do ensino primário em Abidjã. Apesar do anúncio de que não se cobrará pela emissão do documento, muitos pais continuam ignorando o assunto, destacou. “Aplaudimos as diversas iniciativas que trabalham para informar aos pais. Alguns começam a compreender a necessidade de ter o registro de nascimento. Continuaremos destacando a importância disto, casa por casa, para atingir nosso objetivo de que não haja nenhuma criança sem documentos”, acrescentou.
A existência de documentos adequados não é o único desafio que o sistema educacional deve enfrentar um ano depois do fim da crise pós-eleitoral. O Ministério da Educação reconhece que faltam cerca de três mil professores. Além disso, a carência de salas de aula e de escritórios faz com que lugares planejados para 25 alunos recebam mais de 40 alunos. No oeste do país, onde houve um fluxo maciço de pessoas para a Libéria, muitas escolas tiveram que fechar por falta de alunos e agora estão abandonadas. Envolverde/IPS