Mamãe Lúcia tem 85 anos. É agricultora desde sempre. Fora um problema mais sério de saúde há dois anos, quando teve que baixar no hospital depois de décadas, o que a obrigou a reduzir o ritmo, continua fazendo limpeza em casa, cozinhando, remendando roupas, buscando os ovos no galpão e, aos sábados, quando chego, me ajuda a tomar uma boa caipirinha. Os irmãos, vivemos “brigando” com ela para que caminhe mais; ela devolve dizendo que caminha o suficiente dentro de casa e até o galpão e aos domingos para a igreja.

Tia e madrinha Matilde vai fazer 95 anos em maio. Fora as consequências de uma queda há alguns meses, continua bordando, cuidando do seu quarto, indo à devoção ou missa aos domingos e assistindo seus programas de televisão preferidos. Depois da queda, começou a falar (em alemão, que ainda se fala nas bandas de Santa Emília, Venâncio Aires, Rio Grande do Sul) das dificuldades da vida, eu dizendo que ela vai passar fácil dos cem.

Márcio Pochmann, presidente do Ipea, em suas lúcidas análises, vem dizendo que, em 2030, teremos uma grande população de idosos, e que é preciso preparar-se para isso. Basta ver atualmente a quantidade de Grupos ou Clubes da Terceira Idade, ou da Melhor Idade, como muitos preferem. Serão outros tempos, outras formas de convivência, outros cuidados com a vida e a natureza.

Mais que oportuno, portanto, a Campanha da Fraternidade de 2012, com o tema “Fraternidade e Saúde Pública”, e o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra” (Ecl. 38, 8), que pretende “refletir sobre a realidade da saúde no Brasil em vista de uma vida saudável, suscitando o espírito fraterno e comunitário das pessoas na atenção aos enfermos, e mobilizar por melhoria no sistema público de saúde”.

O tema da saúde é complexo. Como diz o texto da Campanha, “a vida saudável requer harmonia entre corpo e espírito, entre pessoa e ambiente, entre personalidade e responsabilidade”. Por isso, se “a saúde é uma condição essencial para o desenvolvimento pessoal e comunitário”, é preciso, entre outras coisas, “articular o tema saúde com a alimentação, a educação, o trabalho, a remuneração, a promoção da mulher, da criança, da ecologia, do meio ambiente, etc.; as ações de promoção da saúde e defesa da vida devem contribuir para a construção de políticas públicas e de projetos de desenvolvimento nacional, local e paroquial, calcada em projetos como a igualdade, a solidariedade, a justiça, a democracia, a qualidade de vida e a participação cidadã”.

O mundo, ou a sua parte mais rica, está em crise, econômica, social, ambiental e de valores. Diz a Campanha da Fraternidade: “Na raiz deste processo, encontra-se a corrida desenvolvimentista desenfreada, liderada pelos países detentores de capitais para investimento tecnológico. Este movimento teve um efeito cascata negativo na natureza, ao expor a vida e o meio ambiente a elementos prejudiciais e agressores. Dentre tais consequências estão a poluição dos mananciais de água potável, a disseminação de campos eletromagnéticos, a poluição atmosférica, a contaminação por agrotóxicos, a contaminação dos solos por resíduos, a ocorrência de desastres ambientais”.

É preciso, pois, olhar à frente dos problemas imediatos, quando se pensa em saúde das pessoas. É preciso pensar na saúde do planeta Terra. Isto exige uma avaliação crítica dos modelos de desenvolvimento implantados nos últimos séculos, a partir do capitalismo. Isso exige um olhar que envolve o cuidado com a natureza, ver as formas de produção de alimentos, reavaliar o que e como se come todos os dias, e pensar o sentido da vida, não só humana, mas também de animais e plantas.

Não se trata, pois, apenas de hospitais, de postos de saúde e de ter um sistema público de saúde que garanta acesso universal, embora tudo isso seja fundamental e não deva ser secundarizado. As pessoas pagam impostos para terem um atendimento descente e rápido. Mas é preciso mais, muito mais nestes tempos de vida corrida, de exigência de resultados, de busca do lucro e do ganho fácil, do ter em vez do ser.

Para tudo isso a Campanha da Fraternidade de 2012 chama a atenção. Como disse Jesus, quando responde aos questionamentos dos discípulos de João Batista: “Ide contar a João o que vistes e ouvistes: cegos recuperam a vista, paralíticos andam, leprosos são purificados e surdos ouvem, mortos ressuscitam e a pobres anuncia-se a Boa Nova” (Lc. 7, 22). É, pois, saúde, que é vida, vida em abundância, mas é também a Boa Nova de um Reino de paz e justiça já a partir deste mundo.

E para que em 2030, e depois, outros e outras tantas como mamãe Lúcia e tia Matilde, e eu, velhinho, possam habitar num planeta com saúde e (ainda) muita sede de viver.

* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.

* Publicado originalmente no site Adital.