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Apostar mais para a culpa não ser do Rio

Rio de Janeiro, Brasil, 23/4/2012 – Ex-ministros, legisladores e especialistas em meio ambiente do Brasil querem que o governo assuma um papel de maior protagonismo para evitar que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá em junho nesta cidade, marque um retrocesso em relação à cúpula anterior.

A Rio+20, assim chamada por referência à reunião anterior realizada em 1992 nesta mesma cidade, “é uma oportunidade para manter viva a chama do desenvolvimento sustentável e avançar nas negociações climáticas, e não deve ser esvaziada em uma agenda de desenvolvimento genérico e sem nenhum foco”, afirma o documento divulgado pelo grupo.

“Há um elevado risco de que esta cúpula não seja apenas irrelevante, mas que configure um retrocesso dos avanços alcançados na Rio-92”, acrescenta o texto Rio mais ou menos 20?, apresentado no dia 18 em São Paulo durante um encontro promovido pelo Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento.

“O grande desafio para que a Rio+20 não se converta em ‘menos 20’ é a implantação de medidas ambientais, considerando a gravidade da situação do planeta”, declarou à IPS o consultor ambiental Fábio Feldmann, ex-deputado federal e ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Para isso é necessário incorporar os avanços da ciência para que “haja futuro para a humanidade”, acrescentou.

Segundo os responsáveis pelo documento, encabeçados por Rubens Ricupero, que na década de 1990 foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda, “os modelos atuais de produção e consumo desafiam os limites naturais do planeta”. E acrescentam que “não se deve aceitar passivamente que este problema e suas implicações para as estratégias de desenvolvimento econômico e social sejam escamoteados da agenda de uma reunião cujo próprio nome indica que seu objetivo é o desenvolvimento sustentável”.

Em seguida alertam que “as evidências dramáticas do processo de aquecimento global, expressas em eventos climáticos extremos, se multiplicam no Brasil e no mundo, e os impactos, inclusive econômicos, já são sentidos em diversos setores e países”. Outro signatário, o físico José Goldemberg, teme que as negociações prévias à cúpula estejam deixando de lado esse assunto.

Em parte de sua exposição em São Paulo, Goldemberg, que foi ministro da Educação e secretário de Ciência e Tecnologia no governo federal e de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, recordou que a quantidade de desastres ambientais aumentou de modo exponencial nas três últimas décadas. O evento de maior magnitude dos últimos tempos foram as torrenciais chuvas que caíram no começo de 2011 e deste ano, provocando inundações e deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro.

Os autores do documento consideram que a agenda da cúpula está muito “diluída” ao não considerar o assunto ambiental com principal foco de suas discussões. A Conferência enfatiza que, após 20 anos da Rio-92, é o momento de discutir um aspecto mais amplo, como é o desenvolvimento sustentável, baseado em três eixos: o social, o econômico e o ambiental.

Marina Silva, ex-ministra de Meio Ambiente, entende que o desenvolvimento sempre tem que ser pensado por meio desses três conceitos, e “dizer que não se deve discutir sobre meio ambiente é um retrocesso em relação à visão da Rio-92”. Ricupero, que participou ativamente desse processo, também afirma ser um erro se desviar do enfoque ambiental.

“Esse pilar é a condição para os outros dois”, o econômico e o social, destacou Ricupero, que entre 1995 e 2004 foi secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Um exemplo é o temido aumento da temperatura do planeta em dois graus. “Se falharmos em evitá-lo, não haverá pilares econômicos nem sociais que resistam. Esta é a base da sustentação física do planeta”, ressaltou.

Feldmann afirmou à IPS que é preciso uma política industrial e econômica capaz de incorporar e estimular a dimensão ambiental. Entre outras iniciativas, os autores do documento propõem que o Brasil, como anfitrião da Rio+20 e país rico em “ativos” agropecuários, energéticos, hídricos e florestais, tome a iniciativa, dê o exemplo e assuma um papel de protagonista.

O grupo também pede que o governo de Dilma Rousseff crie um conjunto de políticas para a agenda de transição rumo à economia verde ou de baixo carbono. Para isto, sugerem a adoção de um sistema de vantagens competitivas associadas a esse processo, que desestimule iniciativas econômicas “em sentido inverso”.

“A prioridade de uma economia de baixo carbono tende a se traduzir em políticas industriais, de transportes, energéticas, agropecuárias, comerciais e de inovação com incentivos que favorecem os investimentos sustentáveis”, defendem os responsáveis pelo texto.

Ricupero disse que o Brasil foi pioneiro ao estimular, por exemplo, um programa energético de “economia verde”, com apoio ao desenvolvimento do etanol, combustível obtido da cana-de-açúcar, com o qual circula hoje a maioria do parque automotivo do país. “Mas aí ficou em silêncio”, apontou.

O Brasil corre o risco de ter um grave retrocesso ambiental se o parlamento aprovar um novo Código Florestal que, entre outros pontos, anistia os responsáveis por desmatar e retira do Poder Executivo faculdades em medidas consideradas fundamentais como a de criar unidades de conservação indígenas ou ambientais, alertou Feldmann.

O Brasil, que se comprometeu na 15ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática, de 2009, em reduzir emissões de gases-estufa entre 36% e 39% até 2020, “não pode, agora, fugir da responsabilidade de contribuir como anfitrião para aproximar posições e pela construção de consensos em torno de metas ambiciosas”, adverte o grupo.

Segundo Feldmann, o Brasil avançou muito em legislações ambientais, mas “o desmatamento na Amazônia e outros biomas ainda é muito alto”. Além disso, salvo alguns incentivos fiscais para a fabricação de eletrodomésticos de baixo consumo de energia, não se investiu em outras iniciativas “com estímulo tributário verde” para que a indústria “incorpore o conceito de sustentabilidade”, acrescentou.

Marina Silva vai além e propõe que o país encabece um movimento pela criação de um organismo vinculado ao sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) dedicado especialmente a questões ambientais. Envolverde/IPS