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Rebelião operária atrasa grandes obras no Brasil

A central Santo Antônio não escapa da rebeldia dos trabalhadores. Foto: Mario Osava/IPS

Rio de Janeiro e Porto Velho, Brasil, 25/4/2012 – Uma maquete de 40 metros de comprimento reproduz a hidrelétrica de Jirau, “um espetáculo da engenharia”, segundo o catedrático Ari Ott. Contudo, sua construção na Amazônia brasileira sofreu duas longas interrupções desde o ano passado, devido a greves e revoltas espontâneas dos operários. O protótipo, que está na cidade francesa de Grenoble, simula em detalhes esta obra para prever e analisar os possíveis riscos, como o intenso fluxo de sedimentos no Rio Madeira. Jirau é um dos dois complexos hidrelétricos que são construídos neste curso fluvial no Estado de Rondônia.

No entanto, “o modelo não contempla as pessoas”, por isso não serviu para antecipar a rebelião dos trabalhadores diante das más condições de trabalho na obra, destacou Ott, professor de antropologia na Universidade Federal de Rondônia, em Porto Velho, município onde ficam as duas centrais. Uma revolta surgida espontaneamente em março de 2011, ao que parece iniciada porque foi negado a um operário um transporte para visitar um familiar doente na cidade, deixou como saldo o incêndio de quase todos os alojamentos para os 16 mil operários e outras instalações, além da destruição de 60 veículos, a maioria ônibus.

Essa paralisação se converteu em protesto por aumento salarial e outras reclamações, como melhor transporte e licenças mais frequentes para os trabalhadores procedentes de regiões mais distantes para que pudessem visitar suas famílias. Apenas três meses depois as obras foram gradualmente reiniciadas. No dia 3 deste mês, um grupo incendiou novamente um terço dos alojamentos de Jirau, deixando sem dormitórios cerca de 3.200 operários. Desta vez foi possível identificar alguns poucos suspeitos da destruição, chamados de “vândalos” pelos empresários e pelo governo. A justiça determinou a prisão de 24 pessoas.

Este novo ataque ocorreu após uma assembleia em que os trabalhadores de Jirau decidiram pôr fim a uma greve de 25 dias, enquanto a revolta de 2011 deu início a um movimento que paralisou a obra do complexo hidrelétrico e também vários outros grandes projetos de construção espalhados pelo Brasil. A violência agora foi menor, ao que parece desatada por operários descontentes com a decisão da maioria da assembleia. “Não são radicais, porque não têm causa; gostam do caos”, criticou Altair Donizete de Oliveira, vice-presidente do Sindicato de Trabalhadores da Indústria da Construção Civil do Estado de Rondônia (STICCERO).

Por causa dos incidentes foi instalado um reforço policial no canteiro da obra, que provavelmente permanecerá por longo tempo, lamentou o sindicalista. As empresas que constroem as hidrelétricas também deveriam ser mais rigorosas na seleção de seus empregados, afirmou Oliveira. Porém, “isto é difícil porque falta mão de obra” e, assim, é contratado quem estiver disponível, reconheceu. A agitação dos trabalhadores de Jirau, que este mês conquistaram um aumento salarial de 7% e outros benefícios, também se estendeu a Santo Antônio, a outra megacentral em construção no Rio Madeira, embora neste caso sem registro de violência.

Santo Antônio desfruta da proximidade da cidade de Porto Velho, a apenas sete quilômetros, onde vivem muitos de seus trabalhadores. Por isso, só precisa alojar 2.500 operários em suas obras, segundo Oliveira, ao contrário de Jirau, que aloja seis vezes mais pessoas e, além disso, está isolado entre a selva e o rio a 120 quilômetros da cidade. As rebeliões e greves aumentaram o número de trabalhadores que preferem deixar o emprego e voltar para suas terras. Por Santo Antônio, onde trabalham atualmente cerca de 15 mil, já passaram “mais de 50 mil” desde o começo das obras em 2008, estimou o sindicalista.

Oliveira previa há um ano que os distúrbios se repetiriam em Jirau por pertencer a um consórcio controlado por um grupo estrangeiro, o franco-belga GDF Suez. “As empresas brasileiras têm coração”, as estrangeiras só pensam tecnicamente, afirmou, destacando as diferenças culturais como fatores de conflitos. Contudo, tudo indica que as grandes concentrações operárias em gigantescos projetos espalhados pelo Brasil estão favorecendo a união e as atitudes combativas em busca de melhores salários e condições de trabalho.

A construção é tida como um setor onde se paga baixos salários e se trabalha em condições precárias. Porém, o rápido aumento da demanda por novos empregados fortaleceu a reclamação e mobilização destes operários, que muitas vezes se adiantaram à estrutura de decisão de seus próprios sindicatos, como ocorreu em 2011 nas obras do Rio Madeira. É que os salários não acompanham essa intensa demanda por mão de obra. “Há alguns anos, um pedreiro ganhava três salários mínimos, enquanto atualmente não chega a dois”, disse Oliveira.

Além das grandes hidrelétricas, no Brasil são construídas quatro refinarias de petróleo, dois polos petroquímicos, vários portos acompanhados de complexos industriais, ferrovias, estradas e canais de transposição das águas do Rio São Francisco para melhorar o fornecimento de água doce no semiárido nordestino.

A onda de greves que acompanha esta febre construtora já afeta também Belo Monte, outro complexo hidrelétrico que só agora começa a ser levantando no Rio Xingu, na Amazônia oriental. Boa parte de seus sete mil trabalhadores aderiram a uma greve entre final de março e começo deste mês por melhores condições de trabalho, e decidiram reiniciá-la no dia 23.

Por outro lado, o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), que já emprega quase 15 mil pessoas, se vê afetado desde dezembro por greves intermitentes nas diferentes empresas encarregadas da construção. A inauguração deste projeto da Petrobras, em construção desde março de 2008, a 40 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro, já teve de ser adiada por um ano e agora a inauguração está prevista para 2014. Seu custo em constante aumento já é calculado ao equivalente a US$ 20 bilhões.

O Comperj será composto de uma refinaria de petróleo pesado, o mais extraído no Brasil, e de unidades para produção de petroquímicos de primeira, segunda e terceira geração. Projeta-se que vai gerar 200 mil empregos diretos e indiretos. Entretanto, as greves e outros conflitos, que incluem os ambientais, têm atrasado esta obra grandiosa. Está atrasada a implantação de refinarias que são necessárias com urgência para reduzir as importações de gasolina e outros derivados. O Brasil já é autossuficiente em petróleo, mas tem falta de capacidade de refino para atender um consumo em forte expansão. Envolverde/IPS