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Cooperação com o Sul em queda livre

Madri, Espanha, 4/5/2012 – A agência de cooperação espanhola persiste em seus planos para a América Latina, como os anunciados esta semana em benefício do Peru e da Guatemala, mas drásticos cortes orçamentários limitarão fortemente sua tarefa futura no Sul em desenvolvimento em áreas estratégicas como educação e saúde.

Em conjunto com a Cruz Vermelha, a Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (Aecid) anunciou ajuda para cerca de 450 famílias afetadas pelas últimas inundações nos distritos peruanos de Belén, Punchana, San Juan Bautista e Mazán, na região de Loreto. O programa inclui promover a higiene e a saúde comunitárias, bem com a entrega de cobertores, colchonetes, artigos de primeira necessidade, mosquiteiros, pastilhas purificadoras de água e outros elementos para fornecer e conservar água apta para consumo humano.

Quanto à Guatemala, a Aecid ativou o Fundo da Água e do Saneamento para a América Latina e o Caribe, que tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida nas áreas mais pobres dessa região, melhorando e facilitando o acesso aos serviços de água potável e saneamento. O lançamento do Fundo foi dirigido a empresas espanholas, guatemaltecas e de outras nacionalidades para atraí-las para as licitações que serão feitas para as obras públicas que o governo da Guatemala prevê dentro de seu programa “Água para todos”.

Estas duas atividades e outras em curso prosseguem no momento, apesar dos cortes decididos para esta e outras áreas estatais pelo governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy a fim de enfrentar a severa crise econômico-financeira que afeta seu país e vários vizinhos da União Europeia. O chanceler José Manuel García-Margallo, após dizer que “a Espanha está em uma crise de enorme magnitude”, admitiu que, além das medidas de austeridade já decididas pelo governo, o país precisa do apoio do Ministério que conduz, tal com aprovou o Conselho de Ministros.

Os fundos de cooperação diminuirão este ano em US$ 1,84 bilhão, metade do previsto originariamente, e em particular a Aecid receberá US$ 790 milhões a menos. Assim, a ajuda ao desenvolvimento pode, inclusive, ser menor do que 0,29% do produto interno bruto, cifra com que foram fechadas as contas de 2011, bem longe do 0,7% comprometido pela Espanha com a comunidade internacional. Outra área afetada, que também incide na assistência externa, é a educação, que terá corte de três bilhões de euros (US$ 4 bilhões), representando a maior parte do ajuste de dez bilhões de euros previstos para o orçamento geral do Estado para 2012.

A redução do orçamento educacional traz implícitas mudanças no ensino, como aumento do número de alunos por sala e a consequente redução do quadro de professores. No ensino primário, a quantidade de alunos passará de 20 para 30 por sala, e no secundário de 31 para 35. “Não é a mesma coisa atender dois ou três alunos com necessidades especiais em um grupo de 20 e em um de 30”, disse à IPS um professor de uma escola de Madri, que pediu para não ser identificado porque sua função não permite que fale à imprensa sobre estes assuntos.

O secretário-geral de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, Gonzalo Robles, discorda. “Se fará mais com menos”, aproveitando os recursos para que a educação melhore e não para piorá-la”, disse em um ato por ocasião da Semana de Ação Mundial pela Educação, realizada na semana passada em Madri. Uma afirmação que não foi bem recebida em âmbitos educacionais.

O coordenador da não governamental Campanha Mundial pela Educação, Jorge Serrano, pediu que “8% da Ajuda Oficial ao Desenvolvimento sejam destinados ao ensino básico”. Serrano também pediu que o governo de Rajoy renove seu compromisso de fornecer fundos para a Aliança Mundial pela Educação, que promove essa campanha. Robles só respondeu que “a educação será prioritária, junto com a saúde, no novo Plano Diretor de Cooperação”, mas não deu números. Também garantiu que a América Latina e a África subsaariana são as regiões que estão no topo da lista para essa assistência.

Para a porta-voz da organização não governamental Intermón Oxfam, Verónica Hernández, a redução na cooperação externa decidida em 2011 se consolidará este ano, e o impacto será maior do que o previsto. Concordando, a Coordenadoria de ONGs para o Desenvolvimento declarou que às reduções orçamentárias destinadas pelo governo espanhol deverão se somar as das comunidades autônomas e dos municípios.

A vice-primeira-ministra, Soraya Sáenz de Santa María, explicou o “ajuste de contas”, afirmando que o país está “diante de uma situação limite nos cofres públicos, o que exige esforços no âmbito da consolidação fiscal e das reformas estruturais”. Por isto, está sendo adotado um “conjunto de medidas”, com redução em torno de 17% em cada Ministério, “em busca de sair do atoleiro econômico, voltar a crescer e gerar emprego”.

No primeiro trimestre deste ano já ficaram sem trabalho 365.900 pessoas, aumentando para 5.639.500 os desempregados na Espanha, que representam 24,4% da população economicamente ativa. Os cortes decididos por Rajoy e seus ministros provocaram fortes reações em quase todas as cidades do país, especialmente entre estudantes e professores que realizaram atos de ocupação de bibliotecas e de locais universitários em defesa da educação pública. Envolverde/IPS