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Espanha na mira por reduzir direitos sociais e migratórios

Madri, Espanha, 9/5/2012 – Vinte organizações da sociedade civil acusaram o governo espanhol na Organização das Nações Unidas (ONU) de descumprir compromissos internacionais ao reduzir fundos em áreas sociais para enfrentar a crise econômica. Os imigrantes estão entre as principais vítimas do plano de austeridade. Os severos problemas econômicos e financeiros que a Espanha sofre derivaram em “uma crise de direitos humanos”, afirmam os ativistas em seu informe apresentado ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, que, entre os dias 7 e 8, analisou a situação neste país de assuntos como moradia, saúde, trabalho, educação e imigração.

O “insuficiente reconhecimento na Constituição” desses compromissos e a falta de legislação a respeito fazem com que a reparação judicial pela eventual violação dos direitos sociais sejam “um caso pendente”, acrescenta o texto assinado, entre outros grupos, pela Coordenadoria de ONGs para o Desenvolvimento, Associação Espanhola para o Direito Internacional e os Direitos Humanos, e Médicos do Mundo. O Comitê da ONU, formado por especialistas independentes, supervisiona, a cada cinco anos, em cada Estado parte, a aplicação do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, assinado em 1966 e ratificado pela Espanha em 1977.

Entre os coletivos mais afetados pelos cortes fiscais estão os imigrantes que não têm reconhecida sua residência no país, aos quais se restringe o acesso gratuito que tinham antes aos centros de saúde pública, entre outros impactos. O decreto que modifica a Lei de Estrangeiros indica que todos os ilegais, e até os turistas procedentes de países que não têm convênio de saúde com a Espanha, terão direito a apenas um atendimento básico de saúde, como urgências, partos e cuidado com crianças.

“Ou os imigrantes se adaptam aos nossos valores ou deem meia volta e retornem por onde vieram”, disse o prefeito da cidade catalã de Badalona, Xavier García Albiol, em uma demonstração do pensamento a respeito do Partido Popular (centro-direita), que governa a Espanha.  Para ser considerado “regular”, o imigrante deve estar inscrito como trabalhador, mas há muitos que não o conseguem porque seus empregadores se negam a fazê-lo, para não pagar sua parte ao sistema de seguridade social.

Não há dados exatos nem meios para obtê-los, mas fontes sindicais estimam que os trabalhadores que não estão inscritos na seguridade social chegam a quatro milhões, e boa parte deles é de imigrantes ilegais. Por sua vez, o governo calcula que os estrangeiros em situação irregular sejam cerca de 500 mil. As organizações não governamentais que denunciaram a Espanha destacaram a retirada do cartão de saúde dos imigrantes irregulares.

“É um retrocesso de mais de uma década no gozo do acesso à saúde de um coletivo que está em situação de grande vulnerabilidade, inclusive chegando a pôr em risco seu direito à vida”, afirmaram. Também destacaram que, tanto o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, quanto os governos regionais, “não se limitam apenas à redução do investimento social até extremos que afetam o conteúdo essencial dos direitos reconhecidos na legislação internacional, mas que, para se ajustarem à reduzida margem orçamentária, modificam e revogam garantias legais no país”.

A recessão econômica na Espanha já fez o desemprego chegar a 24% da população economicamente ativa, equivalente a mais de cinco milhões de pessoas. Nos temas de assistência social, as organizações denunciam que o governo olha para outro lado, quando estão ocorrendo despejos forçados, com ajuda policial em muitos casos, de milhares de famílias que não conseguem pagar os aluguéis, ou porque os proprietários querem colocar os imóveis à venda.

Uma imigrante peruana, que se identificou apenas como Adelina, contou à IPS sua peripécia na Espanha sem os documentos de residência. Chegou ao país “contratada” por intermediários para trabalhar na hotelaria, setor onde ficou por algum tempo. “Nunca me mandaram assinar papéis trabalhistas. Durante quase um ano me pagaram mês a mês o salário, o que me permitiu alugar um pequeno apartamento e pagar a viagem para a Espanha do meu marido e meus dois filhos”, disse.

“No começo, tudo foi bem. Meu marido arrumou outro trabalho, mas durou menos de três meses. Há um mês me despediram, sem pagar indenização porque não estava registrada, e agora estamos desesperados, porque em alguns dias não teremos como pagar o aluguel e nem as passagens de volta se decidirmos voltar para o Peru”, acrescentou angustiada.

Rajoy assegurou, há alguns dias, que ao vencer as eleições ignorava o que ia encontrar ao assumir em dezembro com o país em uma situação tão séria. “Pensávamos que enfrentaríamos uma gripe, mas estamos diante de uma pneumonia”, ressaltou. Esta “doença” é a que afetará a população espanhola durante muito tempo, porque o problema é grave e difícil de solucionar, especialmente pelo rumo adotado, segundo analistas.

O governante prometeu enfrentar a crise “passando a tesoura em tudo, menos nas pensões públicas, na saúde e na educação”, mas o orçamento nacional aprovado no final de março impôs, precisamente, os mais fortes cortes das duas últimas décadas. Em geral, o ajuste médio de todos os ministérios foi de 16,9%, em uma tentativa de reduzir o déficit fiscal de 2011, de 8,5% do produto interno bruto, para 5,3% no final deste ano. Envolverde/IPS