Arquivo

Desigualdade territorial se faz visível na América Latina

Teófila Anchahua cria coelho da índia em Sierra Sur, no Peru, com ajuda do microcrédito. Foto: Julio Angulo/IPS

Santiago, Chile, 15/5/2012 – As zonas rurais menos povoadas e com maior presença indígena ou afrodescendente da América Latina são as que mostram um atraso de desenvolvimento mais acentuado em relação à média de cada país, revela o Informe Latino-Americano sobre Pobreza e Desigualdade 2011. Segundo o estudo, apresentado no dia 9 em Santiago, pelo Centro Latino-Americano para o Desenvolvimento Rural, a desigualdade territorial constitui uma das facetas menos abordadas do problema da desigualdade, e tem impacto especialmente forte nos setores rurais da região.

Desta forma, não é o mesmo nascer ou viver em qualquer lugar de um país, porque o local de residência determina a condição socioeconômica e as possibilidades de acesso a bens que garantem o bem-estar, diz o documento. Afirma, também, que na região (que continua sendo uma das mais desiguais do mundo) pode haver países com um desenvolvimento relativamente baixo, mas nos quais não há territórios particularmente atrasados nem adiantados em relação à média nacional. Por outro lado, países com desenvolvimento médio relativamente alto abrigam apenas uns poucos territórios com resultados satisfatórios e o resto aparece muito defasado.

Para este diagnóstico foram coletadas informações em El Salvador, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, México, Nicarágua e Peru a respeito de seis dimensões socioeconômicas diferentes: saúde, educação, dinamismo econômico e emprego, renda e pobreza, segurança social e igualdade de gênero.

“Um dos dados mais consistentes indica que praticamente em todos os países da região se replicam as mesmas desigualdades, as mesmas brechas e no mesmo tipo de territórios”, explicou à IPS a socióloga Ignacia Fernández, coordenadora do estudo. “A exceção se dá em matéria de desigualdade de renda e segurança social, onde são os territórios urbanos e densamente povoados os mais afetados”, explicou Fernández, doutora em sociologia pela Universidade de Barcelona.

A principal conclusão diz que as análises dos números ou médias nacionais não fornecem o desenho nem a implantação de políticas públicas que se contraponham a pobreza e desigualdade, já que neles não se analisam as particularidades de territórios, comunidades ou regiões. Isto pode significar que algumas políticas públicas, em lugar de ajudar na solução, mantenham ou aprofundem o problema. “A tirania das médias o que faz, no fim das contas, é esconder diferenças muito importantes. Um caso relevante é o Chile que, em geral, mantém uma boa média em relação à região. Porém, tem comunidades com indicadores semelhantes à Nigéria e outras como a Suíça. Há dispersões muito grandes que normalmente não se vê”, disse Fernández. As respostas de políticas e soluções vão à média e, portanto, “há muito conformismo”, afirmou.

O economista Pablo González, coordenador do Informe de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas (ONU) disse que se deve pensar a política desde o território e gerar, a partir deste, uma proposta de desenvolvimento em que as pessoas possam expressar suas necessidades. “Estamos em um dos continentes com maiores desigualdades do mundo, junto com países do sul da África, e essa desigualdade tem uma expressão territorial importante que vai desde localidades na região que são comparáveis aos polos mais desenvolvidos do mundo, até localidades que estão em níveis de maior atraso”, observou à IPS o funcionário do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

González explicou que há brechas que também expressam problemas de gestão, principalmente nos enfoques setoriais, sem que exista uma coordenação. “Seria muito diferente se o enfoque fosse de baixo para cima, centrado em uma unidade de território que pode ser o projeto de vida das pessoas, a comunidade, a família, e há referências internacionais que fazem disso”, afirmou. “Os temas complexos da política do futuro têm de ser feitos assim, e não setorialmente. Temas como igualdade de gênero, por exemplo, exigem um trabalho multissetorial, e a unidade que tem vantagens comparativas para fazê-lo é o território”, ressaltou.

O informe destaca três políticas setoriais com impactos territoriais diferenciados: a educação descentralizada do Chile, o programa de desenvolvimento rural do México e o Bônus de Desenvolvimento Humano do Equador. Embora tais iniciativas tenham propósitos e alcances diferentes, coincidem em um aspecto: seus resultados de conjunto são positivos, mas, quando “estes são analisados de maneira desagregada espacialmente, se revelam importantes desigualdades em seus resultados e impactos”, diz o informe.

Na prática, “acaba-se aprofundado o problema porque incluem soluções que não estão na medida de soluções particulares com problemáticas particulares e diferentes”, alertou Fernández. “Por exemplo, “se alguém olhar os números agregados no México nos últimos 20 anos verá que a desigualdade em nível geral diminui, a desigualdade em nível urbano diminui, mas em nível rural aumenta, apesar de terem existido recursos por meio de um programa especificamente dedicado aos setores rurais”, indicou Fernández.

Em contraste, o estudo expõe dois bons exemplos de gestão local para a superação da pobreza: o Projeto de Desenvolvimento Sierra Sur, no Peru, e Território Solidário das Províncias do Sul de Santander, departamento do nordeste da Colômbia.

O projeto Sierra Sur, iniciado em 2005 com financiamento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida), se baseia em apoiar iniciativas de 230 organizações camponesas para melhorar a qualidade produtiva de seus recursos naturais e iniciativas de negócios rurais para outras 300 organizações, mediante um processo transparente, local e no qual incidem as comunidades participantes.

A experiência de Território Solidário inclui 52 municípios do departamento de Santander, onde a economia solidária se desenvolveu enraizada na forte tradição social, cultural e econômica do cooperativismo, que começou nos anos 1960 impulsionada pela Pastoral Social da Igreja Católica.

Para González, “os dois modelos são interessantes de olhar”. Em sua opinião, trata-se de “superar enfoques que enfatizam questões unidimensionais, como renda, critérios de eficiência ou mesmo a forma como tradicionalmente se mede a pobreza. Deve-se perguntar às pessoas o que consideram valioso e os resultados que vão obter. Assim pode-se relegitimar a ação política e as políticas públicas”. Envolverde/IPS