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China e Índia, a imagem não é tudo

Operários chineses diante de um novo hotel cinco estrelas de US$ 90 milhões no Malawi. Foto: Claire Ngozo/IPS

Cidade do Cabo, África do Sul, 25/5/2012 – China e Índia geraram uma explosão de intercâmbios comerciais e de investimentos na África na década passada. Porém, o primeiro tem fama de prejudicial para este continente, enquanto o segundo é visto com bons olhos. Pequim aparece como economicamente desapiedado, enquanto os interesses empresariais indianos costumam ser considerados benéficos para a África. Entretanto, os investimentos de ambos na África devem ser compreendidos em um contexto maior, segundo especialistas que participaram da conferência “Dinheiro, poder e sexo: o paradoxo do crescimento desigual”, organizada pelo Open Society Institute for Southern Africa, que terminou ontem na Cidade do Cabo.

Os especialistas concordaram que é responsabilidade dos governos africanos estabelecer normas firmes para o fluxo de investimentos estrangeiros e garantir uma relação direta entre comércio e desenvolvimento. “Não estamos incentivando nossas comunidades econômicas regionais nem a União Africana (UA) para obter melhores acordos ou o tipo de investimentos de que precisamos”, lamentou Buddy Kuruku, assessor na Libéria do Centro Africano para a Transformação Econômica.

Se a África priorizar o desenvolvimento com apoio da UA, seus 54 países poderão controlar rapidamente os investimentos das economias emergentes em seus territórios. “As potências mundiais competem por uma presença no continente, e a África pode se beneficiar disso. Se os países da UA trabalharem de forma solidária, não temerão a Índia nem a China”, argumentou Zhongying Pang, professor de relações internacionais da Universidade Renmin da China, em Pequim.

É muito cedo para dizer que impacto terão os dois países na África, mas “é potencialmente mais positivo do que negativo”, observou Howard French, ex-chefe do escritório do jornal The New York Times na China. “Durante muito tempo, a África não teve a possibilidade de escolher com quem queria manter relações comerciais”, acrescentou French, que participa de uma pesquisa da Open Society Foundation sobre migrações chinesas para este continente.

A competição entre China e Índia por oportunidades de investimento, além de Europa e América do Norte, oferece aos países africanos um leque de possíveis sócios comerciais e maior peso para fixar as regras do jogo. Segundo o Banco Mundial, o investimento estrangeiro direto das duas potências emergentes na África cresceu de forma drástica. De fato, Pequim é o maior investidor, doador de ajuda e sócio comercial do continente. Os acordos para construção de infraestrutura e extração de recursos chegaram a US$ 127 bilhões em 2010.

A Índia tem um peso muito menor do que a China, mas sua influência na África aumenta a passos de gigante. Atualmente, mantém acordos comerciais no valor de US$ 46 bilhões no continente e anunciou que investirá US$ 70 bilhões até 2015. “O Estado chinês é, certamente, um enorme motor da atividade econômica na África, embora a Índia se esforce para promover seus investimentos na extração de recursos”, destacou French. Além disso, as exportações da África para a Ásia triplicaram nos últimos cinco anos, chegando a 27% do total das importações asiáticas, segundo dados de 2010 do Banco Mundial, que mostram uma clara tendência ao rápido crescimento do comércio Sul-Sul.

Essa tendência aumenta desde que a África do Sul uniu-se a Brasil, China, Índia e Rússia no grupo Bric, de economias emergentes, em dezembro de 2010, quando este passou a chamar-se Brics. O interesse de Pequim na África gera maior desconfiança porque se baseia principalmente na atuação de enormes companhias estatais interessadas em grandes obras públicas e de infrestrutura, como estádios, estradas e ferrovias, muitas vezes com fundos estatais e multilaterais.

“A China tem uma política muito formal para fomentar seus interesses e investimentos na África. Já a Índia, não”, explicou Kuruku. Nova Délhi tem uma perspectiva de curto prazo, com uma estratégia de dois a cinco anos. A presença indiana neste continente ocorre principalmente por meio de empresas privadas e concentrada na compra. “Isto é, as companhias da Índia tendem a gerar mais emprego e facilitar a transferência de capacidades, ao contrário dos investimentos chineses, pois pouquíssimos deles geram trabalho na África”, detalhou Kuruku.

A China expressou seu compromisso para reverter sua imagem negativa, e prevê rever sua política externa na África, esperando obter benefícios políticos neste continente. “Aprendemos com as críticas à nossa política de investimentos. Se a China quiser continuar desempenhando um papel na África, deverá manter seus princípios de não interferência, e também agregar outros, como as intervenções multilaterais e políticas que contemplem a propriedade da terra”, advertiu Pang. As empresas chinesas também devem se ater às normas locais em matéria trabalhista e ambiental, facilitar a transferência de capacidades para os países africanos e melhorar suas indústrias.

Alguns analistas afirmam que a Índia, na realidade, não é muito melhor. “A Índia investiu na compra de terras aráveis para paliar a inflação de alimentos em seu próprio território”, apontou Aniket Alam, editor do Economic and Political Weekly, com sede em Mumbai. “Não possui melhores padrões trabalhistas do que a China. A exploração, a corrupção e os subornos correm soltos” nesse país, acrescentou. Como a China, a Índia esteve particularmente interessada na África para poder cobrir suas crescentes necessidades energéticas, e investe em países com recursos petroleiros, como Angola, Nigéria e Sudão, destacou.

Os dois países têm indústrias que se modernizam rapidamente e uma florescente classe média com crescente renda e poder de compra. Isto faz com que cresça a demanda por recursos naturais do setor extrativista e de produtos agrícolas, mas também de mercados de exportação diversificados, como o de matérias-primas processadas, produtos da indústria leve, bens de consumo doméstico e alimentos. E a África pode oferecer tudo isso. Envolverde/IPS

Kristin Palitza, da IPS

 

Cidade do Cabo, África do Sul, 25/5/2012 – China e Índia geraram uma explosão de intercâmbios comerciais e de investimentos na África na década passada. Porém, o primeiro tem fama de prejudicial para este continente, enquanto o segundo é visto com bons olhos. Pequim aparece como economicamente desapiedado, enquanto os interesses empresariais indianos costumam ser considerados benéficos para a África. Entretanto, os investimentos de ambos na África devem ser compreendidos em um contexto maior, segundo especialistas que participaram da conferência “Dinheiro, poder e sexo: o paradoxo do crescimento desigual”, organizada pelo Open Society Institute for Southern Africa, que terminou ontem na Cidade do Cabo.

Os especialistas concordaram que é responsabilidade dos governos africanos estabelecer normas firmes para o fluxo de investimentos estrangeiros e garantir uma relação direta entre comércio e desenvolvimento. “Não estamos incentivando nossas comunidades econômicas regionais nem a União Africana (UA) para obter melhores acordos ou o tipo de investimentos de que precisamos”, lamentou Buddy Kuruku, assessor na Libéria do Centro Africano para a Transformação Econômica.

Se a África priorizar o desenvolvimento com apoio da UA, seus 54 países poderão controlar rapidamente os investimentos das economias emergentes em seus territórios. “As potências mundiais competem por uma presença no continente, e a África pode se beneficiar disso. Se os países da UA trabalharem de forma solidária, não temerão a Índia nem a China”, argumentou Zhongying Pang, professor de relações internacionais da Universidade Renmin da China, em Pequim.

É muito cedo para dizer que impacto terão os dois países na África, mas “é potencialmente mais positivo do que negativo”, observou Howard French, ex-chefe do escritório do jornal The New York Times na China. “Durante muito tempo, a África não teve a possibilidade de escolher com quem queria manter relações comerciais”, acrescentou French, que participa de uma pesquisa da Open Society Foundation sobre migrações chinesas para este continente.

A competição entre China e Índia por oportunidades de investimento, além de Europa e América do Norte, oferece aos países africanos um leque de possíveis sócios comerciais e maior peso para fixar as regras do jogo. Segundo o Banco Mundial, o investimento estrangeiro direto das duas potências emergentes na África cresceu de forma drástica. De fato, Pequim é o maior investidor, doador de ajuda e sócio comercial do continente. Os acordos para construção de infraestrutura e extração de recursos chegaram a US$ 127 bilhões em 2010.

A Índia tem um peso muito menor do que a China, mas sua influência na África aumenta a passos de gigante. Atualmente, mantém acordos comerciais no valor de US$ 46 bilhões no continente e anunciou que investirá US$ 70 bilhões até 2015. “O Estado chinês é, certamente, um enorme motor da atividade econômica na África, embora a Índia se esforce para promover seus investimentos na extração de recursos”, destacou French. Além disso, as exportações da África para a Ásia triplicaram nos últimos cinco anos, chegando a 27% do total das importações asiáticas, segundo dados de 2010 do Banco Mundial, que mostram uma clara tendência ao rápido crescimento do comércio Sul-Sul.

Essa tendência aumenta desde que a África do Sul uniu-se a Brasil, China, Índia e Rússia no grupo Bric, de economias emergentes, em dezembro de 2010, quando este passou a chamar-se Brics. O interesse de Pequim na África gera maior desconfiança porque se baseia principalmente na atuação de enormes companhias estatais interessadas em grandes obras públicas e de infrestrutura, como estádios, estradas e ferrovias, muitas vezes com fundos estatais e multilaterais.

“A China tem uma política muito formal para fomentar seus interesses e investimentos na África. Já a Índia, não”, explicou Kuruku. Nova Délhi tem uma perspectiva de curto prazo, com uma estratégia de dois a cinco anos. A presença indiana neste continente ocorre principalmente por meio de empresas privadas e concentrada na compra. “Isto é, as companhias da Índia tendem a gerar mais emprego e facilitar a transferência de capacidades, ao contrário dos investimentos chineses, pois pouquíssimos deles geram trabalho na África”, detalhou Kuruku.

A China expressou seu compromisso para reverter sua imagem negativa, e prevê rever sua política externa na África, esperando obter benefícios políticos neste continente. “Aprendemos com as críticas à nossa política de investimentos. Se a China quiser continuar desempenhando um papel na África, deverá manter seus princípios de não interferência, e também agregar outros, como as intervenções multilaterais e políticas que contemplem a propriedade da terra”, advertiu Pang. As empresas chinesas também devem se ater às normas locais em matéria trabalhista e ambiental, facilitar a transferência de capacidades para os países africanos e melhorar suas indústrias.

Alguns analistas afirmam que a Índia, na realidade, não é muito melhor. “A Índia investiu na compra de terras aráveis para paliar a inflação de alimentos em seu próprio território”, apontou Aniket Alam, editor do Economic and Political Weekly, com sede em Mumbai. “Não possui melhores padrões trabalhistas do que a China. A exploração, a corrupção e os subornos correm soltos” nesse país, acrescentou. Como a China, a Índia esteve particularmente interessada na África para poder cobrir suas crescentes necessidades energéticas, e investe em países com recursos petroleiros, como Angola, Nigéria e Sudão, destacou.

Os dois países têm indústrias que se modernizam rapidamente e uma florescente classe média com crescente renda e poder de compra. Isto faz com que cresça a demanda por recursos naturais do setor extrativista e de produtos agrícolas, mas também de mercados de exportação diversificados, como o de matérias-primas processadas, produtos da indústria leve, bens de consumo doméstico e alimentos. E a África pode oferecer tudo isso. Envolverde/IPS