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Economia argentina acusa o golpe do Norte

Buenos Aires, Argentina, 28/5/2012 – A crise econômico-financeira do mundo industrializado e limitações internas afetam a Argentina, que começa a dar sinais de deterioração, como a redução do forte crescimento registrado na última década, que em 2011 chegou a 8,9%. Os especialistas coincidem em afirmar que essa desaceleração da economia se expressa principalmente na queda da produção e do investimento bruto fixo, que se arrastam desde fins do ano passado, cujos impactos serão sentidos nos próximos meses.

“Só o que continua crescendo bem é o setor bancário e o consumo devido ao crédito, mas a crise internacional está se fazendo sentir”, disse à IPS o economista Fausto Spotorno, do Centro de Estudos Econômicos Orlando Ferreres e Associados. Segundo declarou, os principais mercados para as exportações argentinas, que são Brasil, China e União Europeia, estão diante de uma desaceleração mais ou menos acentuada, e alertou que isso tem impacto na produção.

A Associação de Fábricas de Automotores da Argentina informou que em abril foram produzidos 54.772 veículos, contra 72.422 no mesmo mês de 2011, e, quanto às exportações, 76% das quais têm como destino o Brasil, caíram de 42.244 para 30.442 unidades. Dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec) mostram que, no mês passado, se manteve o superávit na balança comercial, mas as vendas externas caíram 6% em relação ao mesmo mês de 2011 e as importações sofreram redução de 14% na mesma comparação.

Diante das dificuldades de acesso ao mercado financeiro que tem a Argentina desde a suspensão de pagamentos de sua dívida no final de 2001 e a posterior troca de bônus do Tesouro, o superávit comercial e o fiscal se constituíram em pilares do modelo de crescimento no país. Nas últimas semanas, o governo de Cristina Fernández decidiu limitar as importações e mantém limitada a compra de dólares para o público, medida esta que disparou uma corrida cambial e o auge de um mercado ilegal em que a divisa norte-americana é cotada 35% mais alta do que no câmbio oficial.

“Este duplo mercado não pode se manter muito mais tempo”, alertou, diante de consulta da IPS, o economista Mario Sotuyo, da consultoria Economia e Regiões. Isto porque quanto mais se acentuam os controles, maior é a brecha entre a taxa de câmbio do mercado legal e do ilegal. O governo resiste a permitir a desvalorização do peso, pelo impacto de alta que teria nos preços internos. Segundo estimativas privadas, a inflação está aumentando acima dos 20% ao ano.

Quanto às contas fiscais, o Ministério da Economia informou que o balanço de abril apresentou superávit de 42% menor do que em igual mês do ano passado, sem contar o pagamento de vencimentos da dívida. Se estes forem contabilizados, não só as contas apresentam déficit, como esse desequilíbrio é 9% maior, o que redunda em uma queda das reservas internacionais destinadas ao pagamento da dívida pública.

O último boletim do Centro de Estudos onde Spotorno trabalha diz que o produto interno bruto registrou em abril crescimento interanual de apenas 0,6%, o que representa uma “freada brusca”, destacou. A consultoria também diz que a atividade econômica manifesta “fortes sinais de desgaste” e que o “modesto” crescimento se mantém graças aos serviços (sobretudo bancos e comércio), mais do que pela produção de bens, que está em retrocesso.

Porém, o dado mais preocupante é a queda nos investimentos, que segundo o Centro foi de 16% interanual no mês passado. Este indicador antecipa um cenário no qual será difícil ver uma recuperação da atividade geral no curto prazo. Sotuyo coincidiu quanto a produção e investimento serem os setores que apresentam de forma mais contundente a perda de dinamismo, e afirmou que o crescimento da atividade se mantém graças ao consumo interno. Contudo, este especialista entende que não há, de imediato, risco de “estagflação”, fantasma que assusta a economia devido à combinação de retração da atividade com uma inflação que continua na casa dos dois dígitos.

Nem Spotorno nem Sotuyo acreditam que se esteja às portas de uma recessão. “Provavelmente, caminhamos para uma aterrissagem lenta, com um nível de atividade que vai desacelerando, sem uma queda abrupta”, descreveu Sotuyo. “Este ano, o governo ainda tem margem porque, apesar de as contas fiscais estarem no amarelo, o Banco Central ainda possui um bom nível de reservas e não foi preciso ir ao mercado externo contrair dívida para pagar compromissos”, indicou.

Spotorno também descarta a recessão. Pelo menos não a vislumbra no horizonte próximo. “Creio que haverá uma reação da economia no segundo semestre e acabaremos crescendo cerca de 2% ao ano”, previu. Esta projeção é menos otimista do que a do governo, que, em 2011, ao apresentar o projeto de lei orçamentária para 2012, prometeu crescimento de 5%. Também a meta oficial é menor do que a de 2011, mas nem tanto como afirmam alguns economistas.

O Centro de Pesquisas em Finanças, da Universidade Torcuato Di Tella, é muito mais negativo em seus cálculos. Este mês afirmou que a taxa de crescimento será negativa em 2012 e que as possibilidades de uma recessão nos próximos meses estão em torno de 85%. Entre uma e outra previsão, o Centro de Pesquisa e Formação da República Argentina (Cifra) também prevê uma “paulatina redução do crescimento”.

A Cifra explica o menor rendimento pelas consequências da crise global “inconclusa” de 2008-2009, que agora está tendo “nova irrupção”, e mais concretamente no impacto da “acentuada desaceleração” do Brasil, que começou no final de 2010. A entidade resgata o fato de o emprego se manter estável, e comemora que, diante da alta inflação, a evolução do salário real seja positiva. Porém, também reconhece que o investimento diminuiu de forma “significativa” em relação a 2011.

Esta entidade, vinculada à Central de Trabalhadores Argentinos, de tendência centro-esquerda e uma das duas agrupações sindicais de terceiro grau do país, expressa preocupação também pelo desequilíbrio fiscal. Recorda que as contas apresentaram superávit, “ainda que decrescente”, entre 2003 e 2010, e a partir de 2011 começaram a ser deficitárias. Em 2008 e 2009, diante do impacto da retração global, o Estado tinha mais recursos para medidas de incentivo à produção, destaca a consultoria. Agora, a crise cresce de novo e há “menor folga fiscal” para enfrentá-la. Envolverde/IPS