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Êxito da Unasul quanto a doenças desatendidas

Genebra, Suíça, 29/5/2012 – Graças ao impulso da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), a Assembleia Mundial da Saúde abriu um processo para favorecer a pesquisa e a produção de remédios contra doenças esquecidas que afetam especialmente os pobres do mundo. A Assembleia, órgão supremo da Organização Mundial da Saúde (OMS), decidiu, em sua sessão anual, entre outros assuntos, promover o debate sobre mecanismos multilaterais para garantir o acesso dessas populações a medicamentos fundamentais.

A organização não governamental Médicos Sem Fronteiras (MSF) denunciou que, no caso das doenças desatendidas, as quais predominam nos países pobres, tanto os remédios quanto os diagnósticos e as vacinas necessários para tratar os pacientes não estão disponíveis, não são apropriadas ou têm preços inalcançáveis. Este fenômeno é consequência do sistema de pesquisa e desenvolvimento existente, que se baseia em interesses de mercado e não nas necessidades sanitárias, e depende do esquema de patentes para recuperar os custos investidos, o que impõe preços altíssimos, afirma a MSF.

A iniciativa aprovada pela Assembleia, ao finalizar suas sessões realizadas na semana passada em Genebra, foi propiciada por delegações da Unasul, formada pelos 12 países da América do Sul, que precisaram vencer a férrea oposição até o último momento de Estados Unidos, União Europeia, Japão, Suíça e outros países do Norte. A controvérsia girou em torno de um informe apresentado no começo do ano à OMS pelo Grupo Consultivo de Especialistas em Pesquisa e Desenvolvimento: Financiamento e Coordenação, integrado principalmente por personalidades independentes das áreas da medicina, farmacologia e direito de propriedade intelectual.

Dois pontos do informe desataram a disputa. O primeiro recomenda a negociação de um acordo vinculante sobre atividades de pesquisa e desenvolvimento de remédios que atenda as necessidades dos países do Sul. A segunda recomendação mais questionada do informe dos especialistas por parte dos países industrializados é a que propõe a desvinculação dos custos de pesquisa e desenvolvimento em relação aos preços dos medicamentos. Assim, não seria necessário estabelecer valores altos para recuperar os custos.

Os especialistas sugerem fórmulas para financiar esses custos, que incluem contribuições obrigatórias para os países conforme o princípio de uma justa distribuição dessa carga. As delegações das nações industrializadas perante a Assembleia Mundial da Saúde, as quais são sede dos principais laboratórios farmacêuticos transnacionais, propuseram que o informe dos especialistas seja submetido a uma análise profunda e as conclusões sejam apresentadas na próxima sessão, no ano que vem.

Por sua vez, a representação do Quênia exortou a Assembleia a encomendar à diretora-geral da OMS, Margaret Chan, a convocação de imediato de uma negociação para redigir e negociar um convênio da organização sobre financiamento e coordenação da pesquisa e do desenvolvimento.

A iniciativa da Unasul pedia à diretora que convocasse um processo aberto a todos os Estados-membros da OMS para detalhar e aprofundar os mecanismos propostos pelo grupo de especialistas. Também mencionava a possibilidade de uma convenção vinculante. Depois de duras e prolongadas discussões, decidiu-se por um texto que contempla a ideia da Unasul de convocar um processo aberto e informar seus resultados à próxima Assembleia.

A resolução adotada na reunião abre um processo governamental para examinar as recomendações do informe, disse o jurista argentino Carlos Correa, assessor do Centro Sul, instituição intergovernamental com sede em Genebra. Uma das recomendações do informe a ser discutida no novo processo, a principal, é a de manter a negociação de uma convenção obrigatória em matéria de pesquisa e desenvolvimento, destacou à IPS. Isto é auspicioso porque significa que, embora os membros da OMS mantenham diferenças quanto à natureza que pode ter esse instrumento, a decisão abre a possibilidade de haver um estudo detalhado das conclusões do grupo, afirmou.

Em síntese, embora não se tenha conseguido uma decisão que inicie mais rapidamente este processo negociador, estabeleceu-se um mecanismo intergovernamental e formal que pode levar à concretização dessa possibilidade, acrescentou Correa, também membro do grupo de especialistas. Assim, os países em desenvolvimento veem a decisão com um êxito, ressaltou, lembrando que o modelo de inovação intrafarmacêutica está em profunda crise.

“Nossa perspectiva é de que deve ser gerado um modelo alternativo baseado na geração de bens públicos, de produtos medicinais e outros que atendam as necessidades de saúde pública reais e não as conveniências do mercado”, ressaltou Correa, acrescentando que as propostas do grupo de especialistas, retomadas pelas nações do Sul, fornecem uma base para trabalhar nessa direção.

A diretora de políticas da MSF, Michelle Childs, declarou estar decepcionada pelo fato de “não ter ocorrido uma decisão imediata”, de avançar para uma convenção sobre pesquisa e desenvolvimento. Entretanto, os países-membros da OMS acordaram em estabelecer um processo formal para examinar as recomendações dos especialistas e voltarão a discutir o tema em janeiro do próximo ano, enfatizou.

A também especialista Judit Rius Sanjuan, representante da MSF na América, ressaltou que “a liderança e a unidade dos países latino-americanos foram fundamentais na Assembleia” da OMS. A Unasul apresentou uma visão unida em defesa da inovação e do acesso aos medicamentos, bem como de uma solução sustentável na forma de uma convenção global vinculante, afirmou à IPS. Correa confirmou que o bloco sul-americano teve um papel protagonista na Assembleia e foi, ao final, o seu enfoque que prevaleceu na reunião.

A Unasul é integrada por Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela, e conta com um grupo dedicado aos temas de saúde, que neste período é coordenado pelo Uruguai. Envolverde/IPS