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Desobediência civil cede terreno à violência

Nova York, Estados Unidos, 12/6/2012 – Enquanto a comunidade internacional promete aumentar a pressão sobre o governo da Síria, o movimento pacifista mantém sua linha apesar da deterioração da situação. As manifestações pacíficas que marcaram o início da revolta na Síria, em fevereiro do ano passado, ficaram no passado e os chamados para uma resolução diplomática do conflito se chocam com um contexto de crescentes abusos. “Cada dia parece haver novas incorporações ao sombrio catálogo de atrocidades: agressões contra civis, brutais violações dos direitos humanos, detenções em massa e execuções de famílias inteiras”, disse no dia 7 o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, perante a Assembleia Geral.

A pressão sobre o enviado especial da ONU e da Liga Árabe à Síria, Kofi Annan, cresce após o massacre de 25 de maio, em Hula, quando morreram 108 pessoas, entre elas 49 crianças, muitas com menos de dez anos, e as últimas denúncias de matanças em Mazraat al-Qubeir e Kafr Zeta. O plano de paz de Annan propõe o fim da violência, permissão de acesso das organizações humanitárias para ajudar as pessoas necessitadas, liberação dos presos, início de um diálogo político inclusivo que considere as reclamações populares, além de acesso ilimitado da imprensa internacional.

“Precisamos de apoio, mas não em forma de armas”, disse à IPS Omar al Assil, ativista sírio do movimento pacífico. “As armas não ajudam ninguém. Nossa arma é a desobediência civil”, afirmou. Ativo desde o começo do levante, o movimento pacifista procura atrair uma maioria silenciosa para realizar ações de resistência e desobediência civil, e assim marcar seu desprezo pelo regime. Os ativistas organizaram formas de resistência inovadoras e poderosas, a maioria simbólicas, mas de alto risco, como utilizar alto-falantes para divulgar mensagens contra o regime e tingir de vermelho a água das fontes.

“Tingimos a água de vermelho para simbolizar o sangue derramado nas ruas”, explicou Assil à IPS. As medidas simbólicas, junto com as campanhas de conscientização na internet e as greves, buscam unir as pessoas na busca de “um novo Estado, construído com base na dignidade, liberdade e democracia”, acrescentou. Contudo, a violência na Síria não diminui, e o movimento pacífico ficou relegado, pois o Exército Livre da Síria (ELS) encarna a resposta mais violenta contra as atrocidades generalizadas. No dia seguinte à matança em Hula, os rebeldes declararam que não respeitariam mais o cessar-fogo proposto por Annan, pois o presidente Bashar al-Assad não cumpriu o prazo para depor as armas.

A escalada de violência fez o especialista em Islã e ativista Sheik Jawadat Said regressar à região na primeira semana deste mês para reavivar o movimento pacífico, após seis meses dando palestras na América do Norte sobre a não violência e a Primavera Árabe. “Tenho 80 anos, não me importa o que possam fazer comigo. Sempre vivi segundo estes princípios”, declarou à Rádio Nacional Pública há alguns dias. Said serviu de inspiração para os jovens ativistas sírios se oporem ao regime de forma pacífica com suas palestras e seu livro O problema da violência na ação islâmica, publicado em 1966. Este ativista se opõe a toda forma de violência na Síria, incluída a do ELS.

Para o professor de história do Oriente Médio, Amr Azm, Said “é importante por ser o último que mantém essa linha. O resto passou para a ala belicista”. As “manifestações pacíficas ainda fazem parte do movimento, mas as pessoas gritam longa vida ao ELS”, contou Azm, de origem Síria, que trabalha na Universidade de Sahwnee State, no Estado norte-americano de Ohio.

No dia 7, Annan alertou a Assembleia Geral da ONU que a Síria estava se radicalizando e pediu urgência às partes afetadas para acabarem com a violência. “A principal responsabilidade recai sobre o governo”, afirmou, pois não fez mais do que intensificar o ataque desenfreado contra os civis, o bombardeio de cidades e dar carta branca às milícias aliadas com consequências devastadoras.

“A violência aumenta de forma dramática e os enfrentamentos sectários tornam-se inevitáveis com o aumento de explosões, torturas e massacres em muitas partes do país”, descreveu à IPS a jovem ativista Jasmin Roman. Ela esteve em Nova York por meio de um programa da Aliança das Civilizações, que busca melhorar a confiança e a cooperação entre o mundo muçulmano e o Ocidente.

“A hiperinflação, o crescente desemprego, a escassez de alimentos e a alta de seus preços e de outros produtos essenciais esgotam os sírios e exacerbam sua luta para cobrir as necessidades básicas”, destacou Roman. “As mulheres têm uma grande participação e colaboram em vários níveis, se organizando, distribuindo assistência, ajudando as famílias prejudicadas, buscando fundos para ajudar as pessoas e oferecendo ajuda psicossocial às crianças”, acrescentou.

O futuro da Síria depende do plano de paz de Annan, e é o centro da intervenção internacional impulsionado por um frágil consenso sobre aumentar a pressão contra o governo e ameaçar com consequências caso não cumpra. As características da intervenção ainda não foram definidas, mas Annan está decidido a seguir o caminho da unidade. “Pelo bem das pessoas que sofrem este pesadelo, a comunidade internacional deve atuar de forma conjunta e em bloco”, enfatizou. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Mathilde Bagneres.