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Cooperação dos Brics entre o céu e o inferno

Debate sobre Brics e cooperação na Cúpula dos Povos. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 17/6/2012 (TerraViva) – Os países do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm diante de si uma escolha crucial: optar por uma cooperação “do bem”, em busca do desenvolvimento sustentável, ou por uma aliança “do mal”, que siga os passos da ajuda tradicional, que criticavam quando eram seus beneficiários.

Essa foi a conclusão de um debate sobre os desafios de sustentabilidade dos Brics, na Cúpula dos Povos da Rio+20.

Países como o Brasil, embora tenham deixado de receber ajuda internacional, pelo tamanho de suas economias também se converteram em doadores mundiais, afirmou Adriano Campolina, da filial da ActionAid no Brasil.

Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro promove a pequena produção agrícola familiar para combater a pobreza e a desigualdade, e ainda melhorar a segurança alimentar, o país multiplica a “agricultura patronal”, baseada nas monoculturas e na concentração da terra, que provoca desemprego e afeta o meio ambiente, afirmou o ativista ao TerraViva.

“Essas contradições acabam reproduzidas em sua estratégia de cooperação”, alertou Campolina. Por um lado, o governo promove uma cooperação técnica “do bem” com países africanos, em agricultura familiar e autossuficiência alimentar, por exemplo.

Por outro, pratica “uma cooperação do mal”, como a que promove o desenvolvimento de sua própria tecnologia para produzir etanol de cana-de-açúcar e adquire terras em grande escala em outros países para implantar monoculturas de soja ou cana, repetindo o modelo do agronegócio nacional.

Olga Ponizova, do Centro para o Desenvolvimento Sustentável da Rússia (Eco-Accord), descreveu uma estratégia similar em seu país, como o apoio de Moscou à “exportação” de reatores nucleares por meio de subsídios.

Para Vera Masagão, da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais, “o desafio é que, não por sermos mais ricos, repitamos, como doadores, a estratégia imperialista de cooperação do passado”.

É possível aplicar uma “cooperação do bem” ou “solidária” exportando experiências de êxito que são fruto de anos de conquista sociais, ressaltou.

Segundo Sérgio Schlesinger, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional, o problema mais grave é outro tipo de cooperação que, embora não seja oficialmente contabilizada, é mais volumosa em recursos investidos.

Trata-se do setor privado brasileiro na cooperação internacional por meio de subsídios concedidos por instituições estatais como o Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). Este tipo de assistência subsidiada para projetos em países com os quais se coopera acaba beneficiando multinacionais brasileiras de petróleo, mineração, infraestrutura e agroalimentação.

O especialista detalhou a estratégia brasileira de “multiplicar o número de países fornecedores de etanol” na África, Ásia e no resto da América Latina, sem monopolizar o mercado mundial.
“O Brasil percebeu que seu desejo de ser um grande provedor mundial de biocombustíveis não poderia se concretizar tendo ele como único produtor, por isso começou a estimular outros países – a maioria na África – a investir nisso”, explicou ao Terraviva. Esse tipo de cooperação tem interesses pouco claros, acrescentou.

O temor de Masagão é que se repita “o que faziam países do Norte, criticados por práticas proibidas como condicionar a ajuda à compra de produtos ou tecnologias próprias”. O economista Adhemar Mineiro, estudioso das economias do Brics, apontou as consequências socioambientais desse esquema. “Com a internacionalização de suas empresas, o Brasil se converte no grande fornecedor de minerais, energia e agroalimentos”, apontou.

Esse modelo de exploração de recursos naturais no Brasil parece “insustentável”, mas é aplicado no exterior, alertou.

A sul-africana Marcia Andrews, da organização Peoples Dialogue, propôs que haja maior controle para estudar e evitar mecanismos de cooperação como os descritos por parte do Brasil e da China. “Nenhum dos Brics tem um histórico de desenvolvimento sustentável limpo”, observou.

Nesse aspecto, prosseguiu, é preocupante a inclusão da África do Sul no Brics, que atribuiu à pressão exercida pela China, que vê este país como uma “porta de entrada” do continente africano para seus investimentos e seu comércio.

Entretanto, deixar claras estas contradições não é tão simples em países como África do Sul ou Brasil, governados por partidos de tradição esquerdista e de centro-esquerda que protagonizaram longas lutas pela liberdade e democracia. “Como construir uma oposição hegemônica contra governos que se dizem progressistas?”, questionou Andrews, com uma inquietação que já é de muitos na Cúpula dos Povos. (IPS/TerraViva)

* Publicado originalmente no site TerraViva.