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Crise alimentar esvazia as escolas de Níger

Muitas crianças no Sahel sofrem desnutrição. Foto: Kristin Palitza/IPS

 

Niamei, Níger, 22/6/2012 – Desde dezembro de 2011 a crise alimentar em Níger gerou uma enorme migração interna com forte impacto social, incluindo a educação. Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, o grande movimento de pessoas foi registrado particularmente das regiões de Gouré e Tanout, no norte, até Magaria, no Sul, e Matameye, no oeste, onde há melhores colheitas. O Ministério da Educação calculou que 45 mil meninos e meninas abandonaram a escola este ano por razões relacionadas com a crise de alimentos.

Mamane Sani, de 13 anos, acompanhou seus pais, de sua aldeia de Mamari, em Gouré, até Zinder, a segunda cidade mais importante do país. Há alguns meses, Sani ia à escola, mas agora trabalha como empregada doméstica para uma numerosa família em Zinder. A cada manhã, enquanto outras crianças de sua idade vão às aulas, ela percorre as ruas vendendo especiarias para seus empregadores. Passa as tardes retirando água de poços localizados a cerca de três quilômetros da cidade. À noite, cai na cama exausta após ter lavado a roupa e os pratos da família, de 20 membros. “É difícil aqui”, disse à IPS. “Era mais feliz na minha aldeia, e também sinto falta dos meus companheiros de aula”.

Em uma tentativa de evitar que as crianças abandonem a escola, o governo nigeriano, com apoio técnico e financeiro de seus sócios, abriu restaurantes temporários para alunos nas áreas mais afetadas pela crise. “Uma dezena de meninas e meninos deixou minha sala em março”, contou Ali Moussa, professor na localidade de Goubdi, em Gouré. “E esses estudantes não voltaram. Pelo que consegui saber, partiram com seus pais”.

Porém, muitas das crianças arrastadas por esta migração interna chegaram sozinhas a cidades como Zinder e a capital Niamei em busca de trabalho. “Estive em Niamey por três meses”, disse Hassane Issa, de 15 anos. “Meu pai foi antes de mim. Minha mãe, meus irmãos e minhas irmãs ficaram na aldeia. Minha família não tinha nada para comer. Toda semana envio dinheiro que ganho engraxando sapatos”, explicou. Issa afirmou ganhar o equivalente a US$ 46 por mês, dos quais envia US$ 34 para sua família. O adolescente contou à IPS que não gostou de abandonar sua casa na aldeia de Daytagui, onde também estudava. “Queria seguir na escola, mas isso não era possível com a barriga vazia”, lamentou.

O ocidente de Níger é uma das áreas que sofre maior escassez de alimentos. Poucas semanas depois da colheita, muitas famílias já haviam esgotado suas pequenas reservas. Famílias inteiras abandonaram suas aldeias para ir em busca de emprego na cidade. O Ministério da Agricultura atribui a má colheita à seca ocorrida depois que a temporada de chuva de 2011 acabou antes do previsto, bem como ao dano causado pela praga de gafanhotos.

Segundo o Ministério, o déficit de grãos para 2012 é de aproximadamente 500 mil toneladas, 14% das necessidades totais deste país africano com 16 milhões de habitantes. Um estudo, de novembro do ano passado, realizado pelo governo, mostra que mais de 4,5 milhões de nigerinos sofriam insegurança alimentar e nutricional. O governo estima que a taxa de desnutrição infantil superou o nível de alerta em sete das oito regiões do país. No oeste, a taxa é de 14%, aproximando-se do nível considerado de emergência pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que é de 15%.

O êxodo diminuiu levemente graças à distribuição gratuita de comida por organizações não governamentais internacionais e de associações locais a partir de fevereiro, acompanhada por uma queda no preço dos alimentos básicos. O governo iniciou sua própria distribuição em junho. “A venda de grãos a preços controlados e a livre distribuição de alimentos básicos por parte das autoridades e com apoio de organizações humanitárias reduziram o ritmo da migração”, disse Amadou Boukari, da junta administrativa do colégio de Gouré. “Se não fosse por isso, veríamos as escolas completamente vazias”, ressaltou à IPS. Envolverde/IPS